São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2011

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Sepultador vive cotidiano de filme de terror

Lidar com o risco das bactérias e se deparar com bichos estranhos faz parte do dia a dia

Marlene Bergamo/Folhapress
O coveiro Elias Azeredo da Silva, 46, é um faz-tudo no cemitério São Paulo

LAURA CAPRIGLIONE
CRISTINA MORENO DE CASTRO

DE SÃO PAULO

O coveiro Elias Azeredo da Silva, 46, há 12 anos na lida com os mortos, é um faz-tudo no cemitério São Paulo.
Evangélico, casado, quatro filhos, atua como velorista (arrumador da sala de velório), sepultador, exumador, recepcionista, consolador. Estava em greve desde terça.
Nos anos de trabalho, o coveiro experimentou algumas das transformações mais notáveis da cidade: como a epidemia de obesidade e o excesso de gente (e de mortos).
"Atualmente, nossa maior dificuldade é lidar com o peso dos caixões. Não são raras urnas com até 200 kg. E os servidores são em geral franzinos. Cordas e alça dos caixões arrebentam. Eu já vi uma corda se romper e o peso todo descer em cima do joelho de um colega."
Silva sofreu uma hérnia inguinal que o fez ficar afastado por 45 dias. Causa: carregar excesso de peso. "Um colega não aguentou o peso do lado dele, e eu segurei. Deu um repuxo." Teve de operar.
Silva admite que tem um jeito diferente de lidar com a morte. "As pessoas têm muito medo. Eu não." Percebeu isso quando, aos 12 anos, ajudou os bombeiros de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, onde morava, a resgatar o corpo de um rapaz que se afogara havia vários dias.
"Prontifiquei-me a amarrar o cadáver. A surpresa foi quando minha mão entrou na carne putrefata. Mas nem me preocupei." Prestou concurso público e virou sepultador aos 35.

INSALUBRIDADE
A categoria recebe um adicional de insalubridade de R$ 46. "Recentemente, sofremos com o caso de um colega nosso, o Paulo Henrique, 37 anos, saudável. Depois de entrar em um túmulo para fazer uma exumação no cemitério do Campo Grande [na zona sul], ele teve uma doença misteriosa, nunca elucidada, e morreu. Esse é o fantasma que mais nos apavora -o risco invisível das bactérias."
É que os coveiros, segundo Silva, agora fazem exumações toda hora. "Temos de fazer, porque só existe aquela vaga naquele túmulo, e um cadáver espera para ser sepultado. O problema maior é que muitas vezes o corpo está naquela forma de putrefação que tecnicamente se chama de 'líquida'.
Os ossos podem ser retirados, mas o odor é massacrante -tanto, que às vezes trava a respiração."
E tem os bichos: "A gente mexe com baratas e vê seres que nunca viu na vida andando pelo corpo em decomposição", explica um colega.
Alcoolismo é "a" epidemia entre os profissionais. "Pode ser um jeito de enfrentar a brutalidade do trabalho", especula Silva.
A rotina dos sepultadores começa às 7h e vai até as 16h em dias comuns, chegando às 19h em dias de plantão -uma vez por semana.


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