São Paulo, quarta-feira, 03 de outubro de 2007

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Três divisões da polícia são investigadas

Valor pago pelo megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía nos 4 casos de extorsão chegariam a R$ 2,5 milhões

Policiais suspeitos são do Denarc, do Detran e da delegacia fazendária; são ao menos dez e todos eles permanecem na ativa

MARIO CESAR CARVALHO
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O megatraficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía foi extorquido ao menos quatro vezes por três divisões da Polícia Civil de São Paulo, segundo investigação sigilosa conduzida por promotores. Para não prendê-lo, os policiais teriam recebido cerca de R$ 2,5 milhões -incluídos nesse valor um jipe Toyota, modelo Land Cruiser Prado, e um jet-ski.
Os policiais suspeitos são do Denarc (delegacia de combate aos narcóticos), do Detran (polícia de trânsito) e da delegacia fazendária. São ao menos dez, sendo dois delegados. Todos continuam na ativa.
A Folha revelou em agosto último que policiais do Denarc eram suspeitos de extorquir US$ 800 mil do traficante. Depois disso, dois envolvidos prestaram depoimentos revelando outras três extorsões.
Os policiais provavelmente não sabiam que o colombiano que extorquiam era Abadía. Só a recompensa que os EUA ofereciam pela prisão do traficante era bem superior ao valor que tomaram dele: US$ 5 milhões. Também não deviam conhecer a informação do DEA (a agência antidrogas dos EUA) de que o colombiano tinha uma fortuna de US$ 1,8 bilhão (cerca de R$ 3,42 bilhões).
Os casos mais graves têm como protagonistas delegados e investigadores do Denarc, a delegacia encarregada de combater o tráfico: foram duas extorsões mediante seqüestro, segundo os depoimentos.
No primeiro caso, os policiais teriam seqüestrado Pacho, apelido do colombiano Henry Edval Lagos, um dos integrantes do grupo que acompanhava Abadía no Brasil. Pacho foi seqüestrado numa pista de kart em Aldeia da Serra, onde Abadía vivia num condomínio de luxo até ser preso pela Polícia Federal em 7 de agosto.
O empresário Daniel Maróstica, dono de uma loja de jet-ski na zona sul e que ajudava Abadía a comprar bens, afirmou a promotores que o delegado Irani Guedes Barros levou US$ 280 mil para soltar Pacho.
A entrega do resgate é uma cena de cinema à espera de um diretor para filmá-la. O empresário afirma ter deixado os US$ 280 mil em um Peugeot na avenida Vital Brasil, no Butantã (zona oeste de SP), com a chave no contato. Os policiais levaram o carro com o dinheiro; depois de chegarem onde o seqüestrado estava, ele voltou com o veículo já sem os dólares.
No segundo seqüestro investigado, os policiais teriam levado Ana Maria Stein, mulher de Maróstica, para o Denarc, no Butantã. O empresário disse aos promotores e aos policiais da PF que esse seqüestro foi conduzido pelo delegado Pedro Pórrio, que foi do Denarc e há uma semana dirige o setor de investigações da 5ª Delegacia Seccional, responsável por parte da zona leste de SP. À Folha Pórrio negou as acusações (leia mais na página C4).
Não é a primeira vez que Pórrio é acusado de extorsão. O traficante Ronaldo de Freitas, o Naldinho, disse, em 2005, que deu R$ 300 mil a Pórrio e a mais dois policiais do Denarc. O caso nunca foi investigado.
O delegado, segundo depoimento de Maróstica, pediu US$ 1 milhão de resgate. Na negociação, Abadía abaixou o valor para US$ 800 mil, mais um jipe Toyota e um jet-ski. O Land Cruiser foi vendido pelos policiais por R$ 120 mil, segundo relato dos que estiveram envolvidos no episódio.
Abadía ironizou o fato de ter sofrido dois ataques do Denarc. Ao depor à PF após a prisão, disse ao superintendente em São Paulo, Jaber Makul Hanna Saad: "Quer acabar com o tráfico em São Paulo? Basta acabar com o Denarc".

O custo dos laranjas
As outras duas extorsões que o traficante diz ter sofrido têm um motivo comum: o uso de laranjas para esconder o patrimônio que acumulava no Brasil. A delegacia fazendária da Polícia Civil descobriu que ele comprara uma lancha de R$ 2 milhões e a colocara em nome de um funcionário da empresa de Maróstica. Abadía contou que pagou R$ 400 mil para que os policiais não fizessem uma devassa em seu patrimônio.
O colombiano também contou informalmente a delegados da PF que pagou propina a policiais do Detran quando eles souberam que carros de R$ 200 mil estavam em nome de laranja. Os valores pagos, porém, não foram apurados nem se sabe o nome dos envolvidos.
As primeiras revelações sobre as extorsões foram feitas informalmente por Abadía à PF. Como os supostos crimes a serem investigados são de caráter estadual (corrupção passiva e extorsão, entre outros), o caso está com o Gaeco, o grupo do Ministério Público que investiga o crime organizado. Os promotores não se manifestam. Alegam que a investigação está na fase de busca de provas.


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