São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2010

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GILBERTO DIMENSTEIN

Quem já ganhou


Aprender melhor entrou no topo das preocupações dos eleitores e subiu na lista de prioridades dos candidatos

ENQUANTO SE PREPARAVA para receber, na quinta-feira, o maior prêmio de medicina dos Estados Unidos por suas pesquisas em neurociência, Miguel Nicolelis encontrava tempo para articular uma experiência destinada a melhorar o cérebro dos jogadores do Palmeiras, time do qual é torcedor fanático.
É um projeto de escola pública que, embora seja pensada para funcionar no centro de treinamento reservado aos meninos que sonham em virar profissionais, também seria aberta à comunidade. Ali, ele ajudaria a implantar os mais sofisticados métodos de ensino, usando as descobertas da neurociência.
Entusiasmado, Nicolelis me contou como a ideia vinha sendo bem recebida por dirigentes do clube, que já estavam discutindo os meios de arrecadar os recursos, enfim, já estavam passando o chapéu entre os empresários. Nos seus sonhos, o Palmeiras seria o primeiro time de futebol brasileiro a criar uma escola-modelo pública.
Não sei se é mais fácil um brasileiro ganhar os principais prêmios de medicina dos Estados Unidos -ao todo, só neste ano, R$ 14 milhões- ou fazer um time de futebol se preocupar não apenas com os pés mas também com o cérebro de seus jogadores.
Por trás desse tipo de conversa, que tem jeito de fantasia, está uma das grandes novidades deste ano eleitoral.

 

A novidade é traduzida em detalhes por institutos de pesquisa de opinião: aprender melhor entrou no topo das preocupações dos eleitores e, por isso, também subiu na lista de prioridades dos candidatos.
Note que um tema árido como a progressão continuada -sistema de avaliação em que a repetência dos alunos ocorre não a cada ano, mas a cada ciclo- virou um dos grandes assuntos discutidos nos debates que precederam as eleições para o governo de São Paulo. Geraldo Alckmin jura que, no próximo mandato, a sua prioridade será o ensino; Mercadante diz que, se eleito, quer ser avaliado de acordo com a nota dos alunos.
Na semana passada, a Prefeitura de São Paulo apresentou sua proposta de Orçamento - e a educação é a área mais beneficiada. Uma pesquisa do Ibope, feita com mais de 3.000 pessoas, mostrou que, diante de uma pergunta sobre o que faz de uma cidade uma boa cidade, o primeiro lugar, disparado, era o seguinte: boas salas de aula. E uma boa sala de aula, segundo os entrevistados, começava com um bom professor.
Em maior ou menor grau, essa tendência também se refletiu nas plataformas dos candidatos presidenciais.

 

O leitor tem todo o direito de desconfiar de promessas de campanha. Mas, por outro lado, deve confiar na esperteza dos políticos. Eles simplesmente perceberam para onde vai o eleitor. O caminho, porém, é longo. Basta observar o índice de evasão do ensino médio.
Não temos nenhuma instituição classificada entre as 200 melhores universidades do mundo. Pesquisadores -Miguel Nicolelis é mais um deles- são obrigados a morar fora do país para fazer suas descobertas.
Há poucas linhas de financiamento para inovação tecnológica. Jovens que saem das faculdades encontram escasso apoio para transformar suas ideias em realidade. Ainda são incipientes as parcerias entre empresas e acadêmicos.
Ainda estamos muito distantes das outras nações que já perceberam o valor da economia criativa, um segmento que vai da música ao software, passando pelo artesanato, em que são criados mecanismos de estímulo.

 

Os avanços aparecem nos mais diferentes sinais. A um deles eu assisti no domingo passado na Sala São Paulo, onde se apresentou a Orquestra Sinfônica de Heliópolis.
Foi um anúncio de que estudantes da favela de Heliópolis, onde também se desenvolve o modelo de bairro educador, poderão passar o contraturno aprendendo música na sede da orquestra. Paraisópolis está montando sua sinfônica também.

 

Talvez seja difícil imaginar que um time de futebol possa criar uma escola pública de excelência. Mas é fato que, até pouco tempo atrás, também seria difícil imaginar que a música erudita pudesse espalhar-se pela periferia.

 

PS- Por tudo isso, independentemente de quem vencer a eleição hoje, acho que todos ganhamos.

gdimen@uol.com.br


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