São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2001

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NA PRISÃO

Direito não é assegurado em São Paulo; governo paulista vai distribuir camisinhas e anticoncepcionais em 2002

Sem visita íntima, presa engravida na cela

Caio Guatelli/Folha Imagem
A assaltante Sandra Zilioli, 29, ao lado de sua cela, está no sexto mês de gravidez


MELISSA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de não poderem receber seus maridos e namorados para visitas íntimas, as mulheres que vivem em penitenciárias femininas de São Paulo estão engravidando dentro da prisão.
O fato, que não é exclusividade dos presídios paulistas- veja-se o caso da cantora mexicana Gloria Trevi, que engravidou na carceragem da Polícia Federal em Brasília-, está despertando dúvidas sobre segurança e revelando algo há muito tempo escondido, a sexualidade das presas.
Minoria no sistema, as mulheres são hoje 1.619 em penitenciárias e 3.625 em cadeias e delegacias do Estado. Representam cerca de 5% de toda a população carcerária (mais de 94 mil detentos).
Na Penitenciária Feminina do Tatuapé, na zona leste de São Paulo, onde há 464 presidiárias, a Folha entrevistou mulheres que engravidaram em relações clandestinas e sem segurança.
A descoberta reforça a reivindicação das detentas pelo direito a visitas íntimas regulamentadas. Com isso, elas passariam a receber anticoncepcionais e camisinhas para evitar a gravidez indesejada e proliferação de doenças sexualmente transmissíveis.
Apesar de admitir que há casos de mulheres que engravidam dentro da prisão, a Secretaria da Administração Penitenciária não tem nenhum levantamento com o número de ocorrências.
A pedido da reportagem, a secretaria entrou em contato com três das quatro penitenciárias femininas do Estado e chegou ao número de seis mulheres grávidas e duas com "suspeita de gravidez". A secretaria não soube informar quantas dessas mulheres engravidaram dentro da prisão.
Diante das pressões, a Coordenadoria de Saúde da secretaria quer que, até o ano que vem, a visita íntima seja implantada em todos os presídios femininos do Estado, as penitenciárias femininas da Capital (Carandiru), do Tatuapé, do Butantã e de Tremembé. Na unidade do Tatuapé, as visitas já devem começar este mês.

Direitos iguais
A visita íntima é um direito garantido desde a década de 80 aos homens presos em São Paulo, não só por razões humanitárias, mas porque as autoridades perceberam que as relações sexuais tornavam os detentos mais tranquilos.
A secretaria reconhece o direito das presas de receberem visitas íntimas desde 1996, mas nenhuma das penitenciárias femininas permite que isso ocorra.
Segundo a coordenadora de saúde da secretaria, Maria Eli Bruno, há várias razões para que isso aconteça. O medo de que a presença de homens nos presídios femininos comprometa a segurança é uma delas.
Na maioria dos outros Estados, a realidade é a mesma. Apenas Rio de Janeiro, Santa Catarina e Pernambuco permitem que as detentas recebam visitas íntimas.
Não obstante a proibição, as diretoras dos presídios se deparam, vez ou outra, com barrigas que "crescem sem pedir licença".
As suspeitas, inevitavelmente, recaem sobre os funcionários dos presídios -ou de serem eles mesmos os pais das crianças ou de terem facilitado encontros íntimos das presas com homens em dias de visitas. As presas negam a participação dos funcionários.
Duas detentas que se dispuseram a dar entrevista à Folha contam que driblaram as carcereiras e foram além das carícias com seus maridos em dias de visita.
A diretora da unidade do Tatuapé, Márcia Setúbal, 48, psicóloga formada pela Universidade de São Paulo, ganhou o respeito das presas por ter uma postura mais aberta em relação à visita íntima. Para Márcia, os casos de mulheres que engravidam na prisão demonstram que as presidiárias não abrem mão do sexo.
A penitenciária será a primeira a liberar a visita íntima para as detentas. O antigo pavilhão de castigo, destruído na rebelião de dezembro do ano passado, está sendo reformado para isso. Lá, 12 celas individuais estarão disponíveis para os encontros.
A intenção da diretora é promover palestras educativas para as mulheres, orientando sobre os riscos de contrair doenças nas relações sexuais e divulgando a importância do uso da camisinha.

Gravidez
O direito de ficar grávida, segundo Maria Eli, também não pode ser negado à mulher presa. "Vamos fornecer camisinhas e anticoncepcionais, mas ninguém vai estar lá vigiando se os cuidados são tomados."
Segundo ela, muitas presas querem ter filhos e podem deixá-los com as famílias após o nascimento. "Não é justo que uma mulher passe sua idade reprodutiva dentro de uma prisão sem ter a chance de ter filhos", afirma.
Maria Eli afirma que a atitude da coordenadoria está quebrando tabus no sistema penitenciário e que o próximo passo será permitir visitas íntimas aos homossexuais nos presídios.
"Não há como fingir que o homossexualismo não exista dentro das prisões, que são um reflexo do que ocorre na sociedade", diz.


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