|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AMAZONAS
Grupos foram responsáveis por 42 dos 562 homicídios de 2000; levantamento indica que 5.800 jovens participam
Gangues cobram pedágio de moradores de Manaus
KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS
A noite de Manaus está sitiada
pela ação das galeras, gangues de
adolescentes que delimitaram territórios nos bairros pobres da cidade e cobram pedágios de moradores. Os grupos foram responsáveis por 42 dos 562 homicídios registrados em 2000 na cidade.
Levantamento preliminar do
Conselho Tutelar da Zona Leste
de Manaus aponta que pelo menos 5.800 adolescentes integram
as galeras. Há na cidade 24 mil jovens entre 16 e 18 anos. Para a Secretaria da Segurança Pública, são
apenas 700 identificados.
A intensificação da ação das galeras, que começaram a se formar
há dois anos, levou a secretaria a
implantar a Operação Antigalera.
Em vigor há duas semanas, a ação
consiste em deter os garotos por
até oito horas na Delegacia Especializada de Apoio e Proteção à
Criança e ao Adolescente. Os meninos só são liberados na presença de responsáveis.
Em dois fins-de-semana, a PM
prendeu 451 adolescentes na zona
leste da cidade. O Conselho Tutelar enxerga abuso no método.
As galeras são integradas principalmente por meninos entre 10 e
18 anos, principalmente nas regiões leste, oeste e norte, além de
favelas.
A partir das 23h, há um toque de
recolher nos territórios dominados. A Agência Folha visitou algumas dessas ruas na semana passada e constatou que, para um morador chegar a sua casa de madrugada, só com pedágios de, em média, R$ 1,00.
Quem participa da galera é chamado de "galeroso". O comportamento é tribal e as brigas são parte
importante da identidade dos
grupos. Nos combates a ""galerosos" rivais, a principal arma é
uma espécie de escopeta caseira,
feita de pedaços de ferro e que usa
cartuchos de espingarda.
O terçado (facão), canivete, punhal, gargalo de garrafa de cerveja
e pedaços de pau também são
usados nos confrontos. A delegada Maria das Graças da Silva já
encontrou com um garoto uma
pistola alemã. "Mas a arma que
eles mais usam e matam é a escopeta caseira", disse.
Na noite de quinta-feira, A.T.O.,
18, fazia sua vigília no bairro Mutirão (zona leste). Vaca, como é
conhecido, atesta a violência: ""O
inimigo que passa aqui é furado.
Eu já furei uns cinco".
Alguém morreu? ""Isso não me
importa", diz. Vaca pertence à galera Guerreiros da Esquina, ou
simplesmente GE. Participam da
gangue apenas 15 garotos. A fragmentação é outra constante nas
galeras: em cada bairro há em média dez grupos, há ruas com até
três bandos rivais.
Homicídios
O Conselho Tutelar da Zona
Leste é uma entidade ligada à Prefeitura de Manaus e ao Conselho
Municipal de Defesa dos Direitos
da Criança e Adolescentes.
Segundo o presidente do Conselho Tutelar, Norberto Corrêa
Duarte, o levantamento preliminar das galeras tem como base os
homicídios cometidos por jovens
em 58 bairros e cerca de dez favelas de Manaus. "Quem não paga o
pedágio é esfaqueado. As pessoas
mudam a rota e o horário para
chegar em casa", disse Duarte.
O secretário da Segurança, Klinger Costa, discorda da amplitude
do fenômeno. "Galera só há na
zona leste e na Compensa. Esses
conselheiros só sabem fazer estatísticas", disse. Compensa é um
bairro da zona oeste.
O número de assassinatos ligados às galeras manteve-se estável
de 99 (46) para 2000 (42), mas as
tentativas de homicídio cresceram 90,2%, passando de 266 para
506, e levando à ação do governo.
Um dos casos mais brutais ligados a ""galerosos" ocorreu em outubro do ano passado, quando
Antônio de Azevedo Oliveira, 17,
foi degolado por um grupo de oito garotos. O crime aconteceu no
bairro Novo Israel, na zona norte.
Só em dezembro, a Vara Infracional de Manaus abriu 82 processos contra menores. V.G.R, 13,
conhecido como Diabinho e
membro da galera Marica, está
detido acusado de homicídio desde sábado da semana passada.
Ele não nega ter matado J., 11.
"Eu matei e tenho que pagar", disse (leia texto nesta página).
O juiz da Vara Infracional, Antônio Celso Gióia, afirma que as
galeras se expandiram para outras cidades do Amazonas. O
Conselho Tutelar de Manacapuru, a 80 km de Manaus, já identificou 50 integrantes.
"É preciso uma imediata ação
pública, integrada com a escola, a
comunidade e a polícia para acabar com as galeras. Se existe a galera é porque os adolescentes não
têm outra opção de vida", afirmou Gióia.
Texto Anterior: Há 50 anos Próximo Texto: Diabinho, 13, ajudou a matar "rival" Índice
|