São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2001

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AMAZONAS

Grupos foram responsáveis por 42 dos 562 homicídios de 2000; levantamento indica que 5.800 jovens participam

Gangues cobram pedágio de moradores de Manaus



KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

A noite de Manaus está sitiada pela ação das galeras, gangues de adolescentes que delimitaram territórios nos bairros pobres da cidade e cobram pedágios de moradores. Os grupos foram responsáveis por 42 dos 562 homicídios registrados em 2000 na cidade.
Levantamento preliminar do Conselho Tutelar da Zona Leste de Manaus aponta que pelo menos 5.800 adolescentes integram as galeras. Há na cidade 24 mil jovens entre 16 e 18 anos. Para a Secretaria da Segurança Pública, são apenas 700 identificados.
A intensificação da ação das galeras, que começaram a se formar há dois anos, levou a secretaria a implantar a Operação Antigalera. Em vigor há duas semanas, a ação consiste em deter os garotos por até oito horas na Delegacia Especializada de Apoio e Proteção à Criança e ao Adolescente. Os meninos só são liberados na presença de responsáveis.
Em dois fins-de-semana, a PM prendeu 451 adolescentes na zona leste da cidade. O Conselho Tutelar enxerga abuso no método.
As galeras são integradas principalmente por meninos entre 10 e 18 anos, principalmente nas regiões leste, oeste e norte, além de favelas.
A partir das 23h, há um toque de recolher nos territórios dominados. A Agência Folha visitou algumas dessas ruas na semana passada e constatou que, para um morador chegar a sua casa de madrugada, só com pedágios de, em média, R$ 1,00.
Quem participa da galera é chamado de "galeroso". O comportamento é tribal e as brigas são parte importante da identidade dos grupos. Nos combates a ""galerosos" rivais, a principal arma é uma espécie de escopeta caseira, feita de pedaços de ferro e que usa cartuchos de espingarda.
O terçado (facão), canivete, punhal, gargalo de garrafa de cerveja e pedaços de pau também são usados nos confrontos. A delegada Maria das Graças da Silva já encontrou com um garoto uma pistola alemã. "Mas a arma que eles mais usam e matam é a escopeta caseira", disse.
Na noite de quinta-feira, A.T.O., 18, fazia sua vigília no bairro Mutirão (zona leste). Vaca, como é conhecido, atesta a violência: ""O inimigo que passa aqui é furado. Eu já furei uns cinco".
Alguém morreu? ""Isso não me importa", diz. Vaca pertence à galera Guerreiros da Esquina, ou simplesmente GE. Participam da gangue apenas 15 garotos. A fragmentação é outra constante nas galeras: em cada bairro há em média dez grupos, há ruas com até três bandos rivais.

Homicídios
O Conselho Tutelar da Zona Leste é uma entidade ligada à Prefeitura de Manaus e ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescentes.
Segundo o presidente do Conselho Tutelar, Norberto Corrêa Duarte, o levantamento preliminar das galeras tem como base os homicídios cometidos por jovens em 58 bairros e cerca de dez favelas de Manaus. "Quem não paga o pedágio é esfaqueado. As pessoas mudam a rota e o horário para chegar em casa", disse Duarte.
O secretário da Segurança, Klinger Costa, discorda da amplitude do fenômeno. "Galera só há na zona leste e na Compensa. Esses conselheiros só sabem fazer estatísticas", disse. Compensa é um bairro da zona oeste.
O número de assassinatos ligados às galeras manteve-se estável de 99 (46) para 2000 (42), mas as tentativas de homicídio cresceram 90,2%, passando de 266 para 506, e levando à ação do governo.
Um dos casos mais brutais ligados a ""galerosos" ocorreu em outubro do ano passado, quando Antônio de Azevedo Oliveira, 17, foi degolado por um grupo de oito garotos. O crime aconteceu no bairro Novo Israel, na zona norte.
Só em dezembro, a Vara Infracional de Manaus abriu 82 processos contra menores. V.G.R, 13, conhecido como Diabinho e membro da galera Marica, está detido acusado de homicídio desde sábado da semana passada.
Ele não nega ter matado J., 11. "Eu matei e tenho que pagar", disse (leia texto nesta página).
O juiz da Vara Infracional, Antônio Celso Gióia, afirma que as galeras se expandiram para outras cidades do Amazonas. O Conselho Tutelar de Manacapuru, a 80 km de Manaus, já identificou 50 integrantes.
"É preciso uma imediata ação pública, integrada com a escola, a comunidade e a polícia para acabar com as galeras. Se existe a galera é porque os adolescentes não têm outra opção de vida", afirmou Gióia.


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