|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Famílias só deixam Jd. Pantanal sob promessa de que vão voltar
Folha flagra empresa contratada pela prefeitura dizendo a moradores que eles poderão retornar a suas residências seis meses depois; as casas, porém, serão demolidas
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
"Quem quer dinheirooooo?"
Os filhos de Antonio da Silva,
47, estavam eufóricos ontem à
tarde. Abrigados sob uma lona
furada, improviso de casa, já
que a da família estava sob as
águas de mais uma enchente do
Jardim Pantanal, repetiam o
grito de guerra do apresentador
Silvio Santos como forma de
comemoração. Após dois dias
de fila, 19 horas no total, a família tinha conseguido fazer o cadastro junto à Prefeitura de São
Paulo para receber, de uma tacada só, um cheque de
R$ 2.000. Ninguém da família
nunca viu tanto dinheiro assim.
São seis meses de auxílio-aluguel no valor de R$ 300
mensais, mais uma ajuda de
R$ 200 para a mudança. Vem
tudo de uma vez só, cheque nominal. É o cheque-enchente da
prefeitura, pago para quem está
com a casa alagada -para alugar outro imóvel, provisório.
O que os Silva não sabiam enquanto comemoravam é que,
ao contrário do que lhe disseram no posto da prefeitura, não
haverá volta para a ampla casa
de sete cômodos que a família
ocupa na zona leste, bem perto
do leito do rio Tietê.
"Estão mentindo para o povo
já tão sofrido dessa região",
acusou o líder comunitário
Cristóvão de Oliveira, 47, morador da Chácara Três Meninas, também na várzea do rio,
que tem orientado seus vizinhos a não aderir ao auxílio-aluguel: "A gente vem dizendo
para as pessoas que o plano da
prefeitura é demolir todas as
casas de quem aderir ao bolsa-aluguel, então, para conseguir
que o povo faça o cadastro, eles
começaram a mentir, mentir."
O almoxarife desempregado
Edilson José também se sentia
vitorioso, ontem, depois de
concluir o seu cadastramento.
Para ele explicaram o funcionamento do auxílio-aluguel da seguinte forma: "A gente tem de
ficar fora durante o período de
aluguel, que é de seis meses.
Depois, a gente pode voltar. Se
as águas baixarem antes e não
houver mais perigo, pode voltar
antes dos seis meses, desde que
tenha aval da prefeitura."
O almoxarife, porém, não poderá voltar para sua residência,
que fica na rua Clemente Martins de Matos. Todas as casas
dessa rua, a partir da esquina
com a Abacatuaja, estão dentro
do contorno daquilo que será o
Parque Várzeas do Tietê, o megaprojeto do governo do Estado em parceria com a prefeitura, que pretende esvaziar de
gente toda a várzea do Tietê.
Desde as chuvas do dia 8 de
dezembro, quando o chamado
Jardim Pantanal começou a viver a sua rotina de chuvas e enchentes, a prefeitura avisou:
quem está dentro do perímetro
do parque terá de sair; quem topar o auxílio-aluguel, estará admitindo que sairá de lá, que a
casa em que vive será demolida.
O flagra
O cadastramento não é feito
diretamente por funcionários
municipais. A prefeitura contratou duas empresas de "gerenciamento social", a Cobrape
e a Diagonal, para fazer o serviço. Nos três postos visitados pela Folha, e no posto móvel,
eram temporários das duas
empresas, usando jalecos cinza
com o logotipo da prefeitura,
que explicavam o funcionamento do auxílio-aluguel.
"A prefeitura entendeu que
vocês precisam de um atendimento para sair da casa que está alagada. Vocês então vão ter
o atendimento seis meses provisório (sic). Aí vocês vão poder
retornar para suas casas quando a chuva passar, quando a enchente passar." Em tom professoral, foi assim que a coordenadora de uma equipe móvel
de cadastramento (a bordo da
kombi branca placas MVW-7928) explicou a uma moradora da rua Rio Manuel Alves, que
ela poderia receber o auxílio-aluguel e depois retornar a sua
casa. Não poderá. A via onde vive está dentro do perímetro do
parque que será construído.
Texto Anterior: Após criança sumir, moradores queimam ônibus Próximo Texto: Outro lado: Gestão Kassab não comenta procedimento Índice
|