São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Famílias só deixam Jd. Pantanal sob promessa de que vão voltar

Folha flagra empresa contratada pela prefeitura dizendo a moradores que eles poderão retornar a suas residências seis meses depois; as casas, porém, serão demolidas

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

"Quem quer dinheirooooo?" Os filhos de Antonio da Silva, 47, estavam eufóricos ontem à tarde. Abrigados sob uma lona furada, improviso de casa, já que a da família estava sob as águas de mais uma enchente do Jardim Pantanal, repetiam o grito de guerra do apresentador Silvio Santos como forma de comemoração. Após dois dias de fila, 19 horas no total, a família tinha conseguido fazer o cadastro junto à Prefeitura de São Paulo para receber, de uma tacada só, um cheque de R$ 2.000. Ninguém da família nunca viu tanto dinheiro assim.
São seis meses de auxílio-aluguel no valor de R$ 300 mensais, mais uma ajuda de R$ 200 para a mudança. Vem tudo de uma vez só, cheque nominal. É o cheque-enchente da prefeitura, pago para quem está com a casa alagada -para alugar outro imóvel, provisório.
O que os Silva não sabiam enquanto comemoravam é que, ao contrário do que lhe disseram no posto da prefeitura, não haverá volta para a ampla casa de sete cômodos que a família ocupa na zona leste, bem perto do leito do rio Tietê.
"Estão mentindo para o povo já tão sofrido dessa região", acusou o líder comunitário Cristóvão de Oliveira, 47, morador da Chácara Três Meninas, também na várzea do rio, que tem orientado seus vizinhos a não aderir ao auxílio-aluguel: "A gente vem dizendo para as pessoas que o plano da prefeitura é demolir todas as casas de quem aderir ao bolsa-aluguel, então, para conseguir que o povo faça o cadastro, eles começaram a mentir, mentir."
O almoxarife desempregado Edilson José também se sentia vitorioso, ontem, depois de concluir o seu cadastramento. Para ele explicaram o funcionamento do auxílio-aluguel da seguinte forma: "A gente tem de ficar fora durante o período de aluguel, que é de seis meses. Depois, a gente pode voltar. Se as águas baixarem antes e não houver mais perigo, pode voltar antes dos seis meses, desde que tenha aval da prefeitura."
O almoxarife, porém, não poderá voltar para sua residência, que fica na rua Clemente Martins de Matos. Todas as casas dessa rua, a partir da esquina com a Abacatuaja, estão dentro do contorno daquilo que será o Parque Várzeas do Tietê, o megaprojeto do governo do Estado em parceria com a prefeitura, que pretende esvaziar de gente toda a várzea do Tietê.
Desde as chuvas do dia 8 de dezembro, quando o chamado Jardim Pantanal começou a viver a sua rotina de chuvas e enchentes, a prefeitura avisou: quem está dentro do perímetro do parque terá de sair; quem topar o auxílio-aluguel, estará admitindo que sairá de lá, que a casa em que vive será demolida.

O flagra
O cadastramento não é feito diretamente por funcionários municipais. A prefeitura contratou duas empresas de "gerenciamento social", a Cobrape e a Diagonal, para fazer o serviço. Nos três postos visitados pela Folha, e no posto móvel, eram temporários das duas empresas, usando jalecos cinza com o logotipo da prefeitura, que explicavam o funcionamento do auxílio-aluguel.
"A prefeitura entendeu que vocês precisam de um atendimento para sair da casa que está alagada. Vocês então vão ter o atendimento seis meses provisório (sic). Aí vocês vão poder retornar para suas casas quando a chuva passar, quando a enchente passar." Em tom professoral, foi assim que a coordenadora de uma equipe móvel de cadastramento (a bordo da kombi branca placas MVW-7928) explicou a uma moradora da rua Rio Manuel Alves, que ela poderia receber o auxílio-aluguel e depois retornar a sua casa. Não poderá. A via onde vive está dentro do perímetro do parque que será construído.



Texto Anterior: Após criança sumir, moradores queimam ônibus
Próximo Texto: Outro lado: Gestão Kassab não comenta procedimento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.