São Paulo, quinta-feira, 04 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

"Se o filme requeresse uma certa..."


Diferentemente do que sua forma talvez sugira, o verbo "requerer" não se flexiona integralmente como "querer"


NUMA DAS PROVAS do último vestibular da Fundação Getulio Vargas (Administração, tarde), a banca formulou uma questão que tinha por base a seguinte passagem, extraída do texto (adaptado) "Aprendizado de Exílio", de Carlos A. Mattos: "O filme requer uma certa boa vontade do espectador". O texto de Mattos trata do belo filme "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", de Cao Hamburger.
Eis a questão: "Se o verbo da frase for alterado quanto ao modo ou ao tempo, estará correta apenas a frase: a) O filme requis uma certa boa vontade do espectador; b) O filme requisera uma certa boa vontade do telespectador; c) Talvez o filme requera uma certa boa vontade do espectador; d) Se o filme requeresse uma certa boa vontade do espectador...; e) Quando o filme requiser uma certa boa vontade do espectador...".
Então, caro leitor, já sabe qual é a resposta? Parece mais do que evidente que a banca quer saber se o candidato conhece a tortuosa conjugação de "requerer", verbo que, diferentemente do que sua forma talvez sugira, não se flexiona integralmente como "querer", seu "primo".
E por que o "integralmente"? Porque existem tempos em que as flexões de "requerer" seguem as de "querer". No presente do subjuntivo, por exemplo, "querer" faz "queira, queiras, queira, queiramos, queirais, queiram" ("Eles querem que eu queira o que não quero"); "requerer" faz "requeira, requeiras, requeira, requeiramos, requeirais, requeiram" ("Eles querem que eu requeira todos os documentos ainda hoje").
Outro tempo em que as flexões de "requerer" seguem as de "querer" é o pretérito imperfeito do indicativo ("queria, querias, queria, queríamos, queríeis, queriam"; "requeria, requerias, requeria, requeríamos...").
No presente do indicativo, há divergência na primeira pessoa do singular ("querer" faz "quero"; "requerer" faz "requeiro"); nas demais flexões desse tempo, "requerer" segue "querer" ("queres, quer, queremos, quereis, querem"; "requeres, requer, requeremos, requereis, requerem").
Na conjugação do pretérito perfeito do indicativo, ocorre o divórcio: "querer" (irregular) faz "quis, quiseste, quis, quisemos, quisestes, quiseram"; "requerer" (regular nesse tempo) faz "requeri, requereste, requereu, requeremos, requerestes, requereram". Como se sabe, o pretérito perfeito é a base da conjugação de três tempos (mais-que-perfeito do indicativo, pretérito imperfeito e futuro do subjuntivo), portanto...
Direto ao ponto: a irregularidade que se manifesta no pretérito perfeito continua nos tempos derivados. Não custa (re)lembrar que é da segunda pessoa do singular do pretérito perfeito ("requereste", no caso de "requerer") que se obtém a raiz para a conjugação dos tais três tempos.
Eliminada a terminação "-ste" de "requereste", obtém-se a raiz, que, no caso, é "requere-". A essa raiz se acrescentarão as terminações dos três tempos derivados do perfeito do indicativo. Acho que já chega de tecnicismos (o leitor habitual deste espaço deve estar estranhando...).
Como o leitor atento já deve ter concluído, o mais-que-perfeito de "requerer" não é "requisera, requiseras..."; é "requerera, requereras, requerera, requerêramos, requerêreis, requereram". O pretérito imperfeito do subjuntivo não é "requisesse, requisesses, requisesse..."; é "requeresse, requeresses, requeresse, requerêssemos, requerêsseis, requeressem". Por fim, o futuro do subjuntivo não é "requiser, requiseres, requiser, requisermos..."; é "requerer, requereres, requerer, requerermos, requererdes, requererem".
Moral da história, prezado leitor: a resposta é "d" ("Se o filme requeresse uma certa boa vontade do espectador..."). Acertou? Tomara! É isso.

inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Outro lado: Gestão Kassab não comenta procedimento
Próximo Texto: Show de Beyoncé altera trânsito na região do estádio do Morumbi
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.