São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Antigo IML virou oficina de pranchas

"Eu costumava freqüentar o prédio para buscar os corpos dos jovens assassinados. Hoje, esse lugar ganhou vida", diz padre

Prédio integra grande projeto social que atende as áreas mais problemáticas de Florianópolis, como forma de prevenção ao crime

GILMAR PENTEADO
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA

A grande geladeira usada no passado para depositar os corpos agora guarda pranchas de surfe inacabadas. Pela mesa na qual cadáveres eram necropsiados, hoje escorre apenas resina. A sala de exame de balística virou local para manutenção de instrumentos de percussão, e a antiga cela está quase pronta para se transformar em uma padaria popular.
O imóvel de três andares, que abrigou o IML (Instituto Médico Legal) e a perícia científica em Florianópolis por 30 anos, foi reformado e reaproveitado intencionalmente para se tornar um símbolo. O local onde jovens assassinados eram enviados agora faz parte de um projeto que atende 1.800 crianças e adolescentes e já conseguiu colocar mais de 500 na universidade.
O prédio integra o projeto social Aroeira, um grande programa que atende jovens das áreas mais problemáticas da cidade: o complexo do Maciço do Morro da Cruz, que reúne 17 morros no centro, e o complexo do Monte Cristo, na periferia de Florianópolis.
As duas áreas concentram cerca de 100 mil pessoas, pelo menos metade em situação de pobreza.
"Se você circular pela periferia, vai ver grandes contrastes. São duas cidades, uma com infra-estrutura e a outra sem a presença forte do Estado", disse o padre Vilson Groh, coordenador dos projetos. "É um barril de pólvora que ainda não explodiu, mas isso pode acontecer. É preciso agir e rápido."
Partiu do padre a idéia de adaptar o antigo IML e transformá-lo em um projeto-símbolo para a cidade. "Eu costumava freqüentar o prédio para buscar os corpos dos jovens assassinados. Hoje, esse lugar ganhou vida", disse.
A oficina de pranchas de surfe é um dos cursos que mais atrai jovens. "Foram eles próprios que disseram que queriam essa oficina. Com isso, conseguimos atrair uma gangue inteira para o projeto."
Seis desses jovens, já formados, planejam abrir uma empresa. "Ninguém voltou para o crime", disse um deles, que virou monitor.

Coincidência
O prédio estava desocupado quando ONGs foram ao secretário estadual da Segurança Pública, Ronaldo Benedet, pedir um local para o projeto IPC (Incubadora Popular de Cooperativas).
"Confesso que foi coincidência. Mas a idéia mostrou que esse é o caminho: se com poucos recursos, se faz isso, imagine com grandes investimentos? Prevenir é muito mais barato", afirmou o secretário.
Benedet disse que a política de segurança de Santa Catarina não tem grandes fórmulas. "Todo mundo bate nas conseqüências dos crimes. Mas e as causas? Procuramos valorizar a polícia. Mas sem o trabalho social, a ação da polícia é quase inócua."
Para o professor de Antropologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Teófilos Rifiolis, a distribuição do Estado em pequenas cidades é um dos fatores principais dos baixos índices criminais em relação ao restante do país.
A maior cidade, Joinville, tem 500 mil pessoas. Municípios menores, segundo Rifiolis, significam mais ordem urbana e menos bolsões de miséria. "Um das prioridades do governo é combater o êxodo rural. Com isso, vamos evitar que as cidades cresçam de forma desordenada", disse o secretário da Segurança.

Vizinho solidário
Também com objetivo de descentralização das ações, o Estado incentivou a criação de Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança). Hoje, existem 253 conselhos, em 131 cidades. A vigilância com a ajuda de vizinhos é um dos principais projetos em andamento.
"Não queremos que as pessoas sejam medrosas. O Brasil acabou criando um bando de covardes, que se escondem atrás de muros", afirmou Rubens Silveira, presidente do Conseg Jurerê/Forte/Daniela.
Em Jurerê, o administrador aposentado Nelson Marque de Oliveira, 69, foi salvo duas vezes por vizinhos. Na primeira, oito anos atrás, uma vizinha viu estranhos forçando a porta dos fundos. Oliveira estava em casa, com a mulher grávida de nove meses. Os criminosos foram presos. Em outra vez, um vizinho percebeu um estranho na garagem de Oliveira. O ladrão também foi preso.


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