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Antigo IML virou oficina de pranchas
"Eu costumava freqüentar o prédio para buscar os corpos dos jovens assassinados. Hoje, esse lugar ganhou vida", diz padre
Prédio integra grande projeto social que atende as áreas mais problemáticas de Florianópolis, como forma de prevenção ao crime
GILMAR PENTEADO
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CATARINA
A grande geladeira usada no
passado para depositar os corpos agora guarda pranchas de
surfe inacabadas. Pela mesa na
qual cadáveres eram necropsiados, hoje escorre apenas resina. A sala de exame de balística virou local para manutenção
de instrumentos de percussão,
e a antiga cela está quase pronta para se transformar em uma
padaria popular.
O imóvel de três andares, que
abrigou o IML (Instituto Médico Legal) e a perícia científica
em Florianópolis por 30 anos,
foi reformado e reaproveitado
intencionalmente para se tornar um símbolo. O local onde
jovens assassinados eram enviados agora faz parte de um
projeto que atende 1.800 crianças e adolescentes e já conseguiu colocar mais de 500 na
universidade.
O prédio integra o projeto social Aroeira, um grande programa que atende jovens das áreas
mais problemáticas da cidade:
o complexo do Maciço do Morro da Cruz, que reúne 17 morros no centro, e o complexo do
Monte Cristo, na periferia de
Florianópolis.
As duas áreas concentram
cerca de 100 mil pessoas, pelo
menos metade em situação de
pobreza.
"Se você circular pela periferia, vai ver grandes contrastes.
São duas cidades, uma com infra-estrutura e a outra sem a
presença forte do Estado", disse o padre Vilson Groh, coordenador dos projetos. "É um barril de pólvora que ainda não explodiu, mas isso pode acontecer. É preciso agir e rápido."
Partiu do padre a idéia de
adaptar o antigo IML e transformá-lo em um projeto-símbolo para a cidade. "Eu costumava freqüentar o prédio para
buscar os corpos dos jovens assassinados. Hoje, esse lugar ganhou vida", disse.
A oficina de pranchas de surfe é um dos cursos que mais
atrai jovens. "Foram eles próprios que disseram que queriam essa oficina. Com isso,
conseguimos atrair uma gangue inteira para o projeto."
Seis desses jovens, já formados, planejam abrir uma empresa. "Ninguém voltou para o
crime", disse um deles, que virou monitor.
Coincidência
O prédio estava desocupado
quando ONGs foram ao secretário estadual da Segurança Pública, Ronaldo Benedet, pedir
um local para o projeto IPC
(Incubadora Popular de Cooperativas).
"Confesso que foi coincidência. Mas a idéia mostrou que esse é o caminho: se com poucos
recursos, se faz isso, imagine
com grandes investimentos?
Prevenir é muito mais barato",
afirmou o secretário.
Benedet disse que a política
de segurança de Santa Catarina
não tem grandes fórmulas.
"Todo mundo bate nas conseqüências dos crimes. Mas e as
causas? Procuramos valorizar a
polícia. Mas sem o trabalho social, a ação da polícia é quase
inócua."
Para o professor de Antropologia da UFSC (Universidade
Federal de Santa Catarina)
Teófilos Rifiolis, a distribuição
do Estado em pequenas cidades é um dos fatores principais
dos baixos índices criminais
em relação ao restante do país.
A maior cidade, Joinville,
tem 500 mil pessoas. Municípios menores, segundo Rifiolis,
significam mais ordem urbana
e menos bolsões de miséria.
"Um das prioridades do governo é combater o êxodo rural.
Com isso, vamos evitar que as
cidades cresçam de forma desordenada", disse o secretário
da Segurança.
Vizinho solidário
Também com objetivo de
descentralização das ações, o
Estado incentivou a criação de
Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança). Hoje,
existem 253 conselhos, em 131
cidades. A vigilância com a ajuda de vizinhos é um dos principais projetos em andamento.
"Não queremos que as pessoas sejam medrosas. O Brasil
acabou criando um bando de
covardes, que se escondem
atrás de muros", afirmou Rubens Silveira, presidente do
Conseg Jurerê/Forte/Daniela.
Em Jurerê, o administrador
aposentado Nelson Marque de
Oliveira, 69, foi salvo duas vezes por vizinhos. Na primeira,
oito anos atrás, uma vizinha viu
estranhos forçando a porta dos
fundos. Oliveira estava em casa,
com a mulher grávida de nove
meses. Os criminosos foram
presos. Em outra vez, um vizinho percebeu um estranho na
garagem de Oliveira. O ladrão
também foi preso.
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