São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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FASHION KIDS

Para psicólogos, competição pode afetar auto-estima e pais precisam se perguntar o porquê dessa exposição

Concurso de beleza reúne 150 crianças em SP

AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Para 150 crianças, a tarde ensolarada de ontem foi dedicada a "brincar de fashion week". Maquiadas e fantasiadas, elas participaram do 1º Concurso Best Kids Models, no Memorial da América Latina (zona oeste de São Paulo). O concurso recebeu cerca de 4.500 inscrições. Entre as selecionadas para desfilar, havia crianças do Piauí e do Rio Grande do Sul.
Na platéia, um batalhão de pais, tios e avós munidos de filmadoras e máquinas fotográficas. Alguns foram além, como os familiares de Júlia, 6, que vestiam camisetas com a foto da menina estampada. Júlia chegou a receber o prêmio de primeiro lugar -um cheque de R$ 5.000, mas por engano. A Júlia vencedora era outra. "Ela ficou um pouco chateada, mas tudo bem. Comemoramos do mesmo jeito", disse Maria Alice Campos, 52, avó da menina.
Nem todas as crianças, porém, encaravam o resultado com tanta calma. Algumas saíram chorando e os pais, para animá-las, repetiam que elas que deveriam ter ganho -apesar de a organizadora do concurso, Nyna Odriozola, ter repetido várias vezes o antigo bordão "o importante é participar".
"Todo pai é narcisista e eu acho que muitas crianças aceitam melhor o resultado que eles", afirma Nyna, que conhece o mundo dos modelos infantis de perto: ela começou a trabalhar na área com 13 anos e seus quatro filhos já estavam em comerciais a partir dos seis meses de idade. Para Nyna, o processo pode ajudar no amadurecimento da criança. "O concurso traz autoconfiança, o que, na dose certa, é positivo. Além disso, elas aprendem a competir, e na vida é assim -a gente compete, às vezes ganha, às vezes perde."
O tema é controverso. Embora tenha cedido ao pedido da filha para participar do concurso, o médico Eduardo Valle, 35, estava apreensivo. "É difícil julgar uma criança como mais bonita que outra e não sou a favor disso. Acho que na área dos modelos infantis há uma pressão muito grande e temo que ela se decepcione."
Para Fernando Silva Teixeira Filho, professor de psicologia da Unesp de Assis, o significado da competição e da derrota depende do contexto. "No esporte, por exemplo, a competição pressupõe uma coletividade, há o treinador, a equipe, um esforço e uma evolução. Ninguém nasce judoca. No concurso de beleza, há a satisfação do indivíduo por um dom com o qual ele nasceu. A criança ganha o primeiro lugar mas e daí, o que ela vai fazer com isso?"
Teixeira Filho afirma que a participação de uma criança em um concurso de beleza deve ser precedida de duas perguntas. Da parte da criança, é preciso saber o porquê de ela precisar ser avaliada e aceita. Em relação aos pais, o porquê de eles quererem que os outros aprovem seu filho. "Muitas vezes, é um desejo narcísico deles de mostrar que foram capazes de fazer uma criança bonita."

Trabalho
O concurso teve duas ganhadoras, cada uma em uma categoria: de quatro a sete anos e de oito a 12. Mas todas as 150 crianças que desfilaram serão chamadas para trabalhar na Best Kids Models.
A psicóloga Isabel Kahn, do núcleo de terapia de casais e família da PUC-SP, alerta para alguns problemas que podem surgir quando uma criança trabalha como modelo, como a preocupação exagerada com o corpo e o ciúme entre irmãos. Além disso, deve-se tomar cuidado para que a criança não deixe de vivenciar experiências ligadas a outras áreas. "Os pais devem garantir que a criança não viva em função da beleza."


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