São Paulo, quarta-feira, 04 de abril de 2007 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN Memórias passageiras Valdemir Martins descobriu que alguns dos seus passageiros eram boas histórias para um livro
MOTORISTA DE TÁXI há 12
anos, Valdemir Martins
descobriu que alguns de
seus passageiros eram mais do que
uma fonte de renda. Eram boas histórias para inspirar um livro. "O táxi
é uma espécie de confessionário ambulante", compara.
Nesse "confessionário", Valdemir
conheceu a mulher católica, muito
religiosa, apaixonada por um padre,
os truques de sedução de garotas de
programa, a desilusão de um marido
traído pela mulher, a angústia de um
dentista que não conseguia se livrar
das drogas. "No táxi, muita gente é
tentada a desabafar. Sentem-se à
vontade porque imaginam que nunca vão se encontrar de novo com o
motorista." Valdemir acha que, com seu jeito, conseguiu evitar uma tragédia. O marido traído entrou transtornado em seu táxi, tinha uma arma na mão, jurava que iria matar a mulher. "Fiquei com medo de que a arma disparasse, tão agitado estava o homem." O taxista aproveitou para sugerir-lhe que pensasse sobre as conseqüências de um assassinato. "Como o trânsito é muito ruim, deu tempo para ele pensar." Chegaram ao destino, a mulher não estava, mas o homem, humilhado, parecia mais conformado. Valdemir o viu, cabisbaixo, pelo espelho do retrovisor. As melhores histórias aparecem de madrugada, conta Valdemir. "Mas me sentia inseguro." Nessas horas, são os desabafos mais candentes das paixões não correspondidas, da sinceridade dos bêbados, da tristeza dos solitários. Muitas vezes, recebeu cantadas de mulheres e de homens. "Preferi trabalhar apenas de dia", conta ele, que mora na Mooca, mas cujo ponto está na Vila Mariana. Valdemir nunca se destacou nas aulas de português - e muito menos imaginou que um taxista poderia ser escritor -, mas começou a colocar aqueles casos no papel, trocando o nome dos personagens. Pediu ajuda a alguns de seus passageiros habituais, entre os quais psicólogos e escritores, consultores informais, que davam palpites durante o trajeto. "Todos me incentivaram." Nenhuma editora se interessou. Mas Valdemir não parece disposto a desistir. "Antes mesmo do livro sair, pelo menos 40 pessoas já garantiram que vão comprar", orgulha-se, avaliando que esse sinal sugere um futuro editorial promissor. Até lá, Valdemir compensa a clandestinidade literária transformando seus passageiros mais compreensivos em leitores de suas memórias. PS-Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) duas histórias escritas pelo motorista. gdimen@uol.com.br Texto Anterior: Vítima do apagão de dezembro ganha indenização de R$ 2.500 Próximo Texto: A cidade é sua: Morador de Pinheiros reclama de trânsito gerado por comércio Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |