UOL


São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

Próximo Texto | Índice

AMBIENTE

Área da Sabesp onde vivem 450 famílias está em cima de até 15 milhões de litros de areia de fundição e borras oleosas

Solo contaminado ameaça favela de SP

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Criança senta em cima de poço de monitoramento de subsolo perfurado na favela Paraguai para investigar a contaminação da área


MARIANA VIVEIROS
JOÃO CARLOS SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

No início dos anos 90, elas invadiram uma área na Vila Prudente (zona leste de SP) e, desde então, vivem em condições impróprias e enfrentam problemas que vão desde guerras entre traficantes de drogas até incêndios frequentes.
Desconhecem, no entanto, o que o governo do Estado já sabe desde dezembro: que estão sob uma ameaça ainda pior. As cerca de 450 famílias da favela Paraguai moram em cima de uma região contaminada por resíduos industriais potencialmente tóxicos e até cancerígenos, correm risco de saúde e serão removidas.
O ponto mais crítico da poluição está, em parte, numa área que abriga desde 92 uma creche para crianças de até seis anos, a maioria delas moradora da favela.
A contaminação do terreno -que tem, ao todo, 94 mil m2 e inclui ainda as favelas da Paz e Sem-Terra e um Centro de Detenção Provisória (CDP) - é atestada em laudo ao qual a Folha teve acesso na semana passada.
O documento está nas mãos da proprietária da área, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que não tornou público o problema nem alertou os moradores.
Por causa do risco potencial da poluição e para permitir a retirada do solo comprometido, as favelas e a creche terão de sair do local o mais rapidamente possível, segundo determinação da Cetesb (agência ambiental do governo paulista). A área do CDP não teria sido afetada pelo problema, de acordo com a agência.
O primeiro estudo comprovando a contaminação ambiental data de dezembro passado. Depois de dois meses em busca do documento, a Folha descobriu que ele aponta a existência, no subsolo das favelas e da creche, de 10 milhões a 15 milhões de litros de areia de fundição misturada com borras oleosas -material suficiente para encher 3.750 carretas.
O terreno está numa Zupi (Zona de Uso Predominantemente Industrial) e foi usado como um "lixão" industrial até ser comprado pela Sabesp, em 1980.
Na areia de fundição, costumam-se encontrar metais pesados como chumbo e cobre, além de fenóis (substâncias orgânicas que, apesar de não serem tóxicas, podem causar males à saúde).
As borras oleosas são geralmente formadas por compostos orgânicos voláteis, entre os quais podem estar, por exemplo, os hidrocarbonetos e derivados de benzeno -alguns deles tóxicos e outros comprovadamente cancerígenos, segundo Elton Gloeben, assessor da presidência da Cetesb.

Riscos
Além de inflamáveis, os compostos orgânicos evaporam com facilidade. Por isso, haveria o risco de exposição aos contaminantes pelo simples ato de respirar.
O perigo aumentaria ainda mais porque a camada de poluição está bem próxima da superfície -a uma profundidade que varia de 30 centímetros a 2 metros. Como o terreno da favela não é pavimentado e muitas casas têm piso de terra batida, seria maior também a possibilidade de os compostos voláteis deixarem o subsolo e atingirem a atmosfera.
Segundo a Cetesb, a superficialidade da contaminação torna muito provável ainda a contaminação das águas subterrâneas da região, que, por estar próxima ao rio Tamanduateí, possui um lençol freático pouco profundo. Não existe, porém, um laudo a respeito do comprometimento da água.
A Cetesb afirma não ter detalhes sobre quais são as substâncias presentes na areia e nas borras nem em que concentração elas foram encontradas -o que impossibilita saber exatamente a que riscos a população está exposta e qual a gravidade da ameaça.
"Mas o material já foi classificado como perigoso e, pelo princípio da precaução, não é seguro morar ali", diz Fernando Rei, titular da Diretoria de Controle de Poluição Ambiental da agência.

Desconhecimento
Os moradores, entretanto, nem suspeitam do perigo, embora perfurações feitas no ano passado para detectar a contaminação já tenham sido incorporadas ao cenário local, assim como os barracos, que estão sendo reconstruídos após um incêndio ter destruído 300 deles, dias antes do Natal.
"Não deram nenhuma orientação, não", afirma Neuza Luciano de Morais, 28, sobre a perfuração de um dos poços de monitoramento, que está em frente à casa dela e que as crianças costumam usar como banco e brinquedo.
A população, aliás, nem gosta de tocar no assunto. Acha que a contaminação, já ventilada desde 2000, é uma desculpa para tirar as pessoas da área.
Recentemente, o antigo presidente da associação dos moradores mencionou que a área poderia estar contaminada, o que provocou a ira dos vizinhos. "Ele acabou deixando a entidade", conta o atual presidente da Associação dos Moradores da Nova Paraguai, Adão Gomes Silva, 28.
Silva chegou a acompanhar a perfuração dos poços, mas também não sabe o resultado das análises do subsolo.
Questionado sobre o que ocorreria diante de eventual confirmação da contaminação, Silva prevê que a retirada dos moradores não será fácil. "Ninguém vai querer sair daqui, não. Muitos acabaram de reconstruir suas casas. E ninguém vai querer morar longe, pois muitos moradores vivem de catar papel e, morando longe, não terão como manter a atividade que sustenta muitas das famílias."
O primeiro indício de que a área estava contaminada surgiu em 2000, depois de a Sabesp tentar vender uma parte do terreno -atrás do CDP- para que a CDHU construísse um conjunto habitacional. O pedido partiu dos moradores da favela.
A descoberta ocorreu porque uma lei estadual obriga a realização de estudo ambiental quando uma área industrial passa a ser usada para fins residenciais.
Por isso, a empresa constatou a existência, no subsolo da área que seria vendida, de metano (CH4), que, mesmo não sendo tóxico, é altamente inflamável. Depois, a pedido da Cetesb, o estudo foi ampliado, quando foi descoberta a contaminação na área da favela.


Próximo Texto: Frases
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.