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DANUZA LEÃO
Um casal
Duas pessoas que vivem juntas há mais de meio século e que continuam tão interessadas uma pela outra
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ELES SEMPRE foram um casal
muito legal. Casados -e
bem- há mais de 50 anos, inteligentes, cultos, amigos dos seus
amigos, sempre do lado certo, politicamente, e profundamente, interessados na vida do país. Passaram uns
dois anos fora do Brasil, na época da
brabeira, e na volta abriram uma livraria, hoje administrada pelos filhos. Morando em São Paulo, de vez
em quando vêm ao Rio e aproveitam
para rever os velhos amigos.
São ambos afáveis, mais do que a
maioria das pessoas costuma ser, e
ela é das mulheres mais doces que
existem -além de bonita e elegante.
Sua fala é mansa, seu olhar, carinhoso, e é sempre um enorme prazer
encontrar os dois, pessoas verdadeiramente raras.
Bem, aos fatos: no Rio existe um
restaurante especializado em feijoadas; de segunda a segunda, almoço e
jantar, a feijoada é o prato principal
da casa.
Feijoada é uma comida alegre, que
normalmente é pretexto para encontro de amigos, em mesas enormes. O dia de comer feijoada costuma ser sábado, pois como o prato é
pesado, ainda se tem o domingo inteiro para esquecer das caipirinhas,
da carne seca, do paio, da língua defumada, do torresmo, de todos os
exageros, enfim, cometidos em volta
da mesa. Mas existem alguns insensatos que cometem loucuras também às segundas-feiras, o que aconteceu na última semana. Eu era um
deles, e fui a primeira a chegar.
O restaurante estava vazio, com
exceção de uma mesa: nela estava o
casal de que falei acima. Eram só os
dois, tomando uma vodca e conversando. Sentei uns minutos com eles,
e quando meus amigos chegaram,
demos um tchau, combinamos de
nos ver em breve, e fui comer a feijoada (dos deuses) com minha turma -bem barulhenta, por sinal.
Eles comeram a deles, tranqüilamente, terminaram antes de nós,
vieram se despedir e foram embora.
Teoricamente, uma cena banal, só
que não foi. Para mim, foi uma cena
de filme.
Eu havia sabido que ele, o marido,
andava enfrentando problemas de
saúde, e vi que ele saiu se apoiando
em uma bengala. E pensei que se já é
difícil ver um casal num restaurante
(a não ser nos primeiríssimos tempos da paquera), sem amigos para
animar o papo, mais difícil ainda é
ver um casal casado há tanto tempo
sair de casa -os dois, só os dois-,
para almoçar fora numa segunda-feira. Um casal abençoado, eu diria.
Eles não pararam de conversar
um só instante, e me emocionei com
a visão de duas pessoas que vivem
juntas há mais de meio século e que
continuam tão companheiras, tão
interessadas uma pela outra, tão
gentis uma com a outra, tão dispostas a sair de casa, numa segunda-feira, para terem o prazer de comer
uma feijoada, um com o outro.
Quanto amor pela vida. Quanto
amor um pelo outro. Que coisa linda.
E continuei pensando: pensando
nos casais que não dão certo, nas
pessoas que passam a vida procurando pela felicidade e se perdendo
nessa busca, e me perguntei o que
faz com que alguns poucos consigam chegar lá.
Será um dom? Uma vocação? Um
aprendizado? Um equilíbrio? Há
quem diga que é uma questão de
DNA, que há os que nasceram para
ser felizes e os outros (aliás a maioria), que teoricamente têm tudo para ser, mas não são.
Essa história pode parecer banal,
mas sabe que não é?
@ - danuza.leao uol.com.br
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