São Paulo, quinta, 4 de junho de 1998

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INCULTA & BELA
O cheque do xeque

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Eta duplinha danada! No último domingo, a capa do caderno de esportes de um dos grandes jornais do país estampava o título: "Defesa em cheque". Tratava-se da defesa da seleção brasileira de futebol.
Fiquei pensando quanto vale cada um dos zagueiros do time de Zagallo, para ter uma idéia do valor do tal cheque. Do jeito que a coisa anda, o cheque deve ser magrinho, magrinho.
A expressão "colocar em xeque" vem do xadrez. Trata-se de um lance em que o rei é atacado. Figurativamente, quando se diz que se coloca algo ou alguém em xeque, coloca-se em dúvida sua reputação, seu mérito, seu valor.
Definitivamente, coloca-se algo ou alguém "em xeque", e não "em cheque". É bom saber que xeque também significa o homem que, entre os árabes, é o chefe da tribo, o soberano. Para esse caso, existe a variante xeique, que no Brasil costuma ser grafada à inglesa ("sheik"), como no famoso filme "O Sheik de Agadir". Nada disso: xeque ou xeique.
E xeque ainda é, ensinam os dicionários, sinônimo de ganzá, instrumento de percussão.
Por falar em percussão, uma dupla que também faz muita gente sambar é caçar/cassar. Quando se suprimem os direitos de alguém, cassam-se esses direitos. A Câmara pode cassar um deputado. De cassar se faz cassação, ato de cassar.
Caçar é munir-se de alguma arma para tentar capturar um animal ou, figurativamente, uma pessoa. Portanto não é possível dizer que um deputado foi caçado, a menos que...
Não é a primeira vez que discuto nesta coluna o problema das palavras parecidas na grafia e no som, mas diferentes no significado. Aliás, quando mencionei o problema pela primeira vez, citei um trio terrível, que ainda não foi esclarecido: cessão, sessão, seção.
Cessão é o ato de ceder: "A Câmara não aprovou a cessão da posse do terreno".
Sessão é o tempo de duração de um evento qualquer. É a sessão da Câmara, tempo que dura a reunião dos parlamentares. É a sessão de cinema, de teatro, de ginástica, de música.
Seção, que também pode ser secção, é o departamento, a fração, a repartição, o setor.
Um fato curioso: ninguém diz ou escreve que certa pessoa trabalha na "secção" de peças de uma loja, ou na "secção" de frios de um supermercado. As pessoas dizem "seção", mas não dizem ou escrevem que o médico vai "secionar" uma veia, por exemplo.
Os professores de matemática são um pouco mais coerentes. Falam da intersecção de dois conjuntos, ou seja, a parte que é comum aos dois, e fazem o seccionamento de uma reta. De qualquer maneira, é indiferente empregar seção/secção, secionar/seccionar, secionamento/seccionamento.
Quando você ler um livro, uma revista ou um jornal impressos em Portugal, não se assuste. O "c" "mudo" é muito comum por lá: eléctrico, atractivo, colecção, acção, projecto, actividade. Mas não exagere. Apesar de escrito, esse "c" normalmente não é pronunciado. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras


E-mail:inculta@uol.com.br



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