São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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DIREITOS HUMANOS

Principal acusado, policial que responsabilizou cinco jovens por assalto está sendo procurado há quatro meses

Justiça apura tortura praticada por PMs

GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A operação da Polícia Militar que prendeu uma suposta quadrilha de ladrões de carro parecia tão perfeita que, no primeiro momento, até familiares dos presos acreditaram nela. Mas, 112 dias depois, os suspeitos -cinco jovens, entre eles uma garota- deixaram a cadeia.
Todos afirmam que foram torturados em uma base comunitária da PM em São Bernardo do Campo (Grande SP) para confessar o crime. Quatro policiais militares foram afastados, segundo a Secretaria da Segurança Pública.
Exames de corpo de delito identificaram lesões nos cinco jovens. As sessões de tortura teriam contado com o uso de alicate, martelo e pedaços de madeira e durado de uma hora a uma hora e meia, em dois momentos do mesmo dia. A violência é explicada, segundo presos e parentes, pelo fato de a suposta vítima ser um PM.
O soldado Wilson Russi Schilive, 26, que estava de folga quando teria sido abordado pelos ladrões, é procurado há quatro meses pela Justiça de São Bernardo. Segundo ofícios do 6º Batalhão da PM enviados à Justiça, o soldado tem renovado seus atestados médicos e, por isso, não pode ser apresentado. O policial é apontado como um dos torturadores.
Schilive precisa confirmar à Justiça o que disse na delegacia no dia 18 de fevereiro deste ano, quando afirmou ter reconhecido, "sem sombra de dúvida", os cinco jovens. O PM afirmou, segundo o boletim de ocorrência 1.519/2004, que os suspeitos o assaltaram quando ele parou o carro na frente da casa de um amigo.
O PM avisou colegas e desencadeou uma operação à procura dos ladrões. Os cinco jovens -com idades entre 21 e 24 anos- eram vizinhos no bairro Assunção, em São Bernardo. A base comunitária fica na praça Giovane Breda, também na região.
Degravação do Copom (central de operações da PM) mostra que o operador da central, após saber da localização dos suspeitos, chegou a questionar os PMs sobre a demora em chegar à delegacia. "A gente ainda está em averiguação", respondeu um dos policiais.
Na base comunitária, segundo os jovens, além de socos e pontapés, eles tiveram partes do corpo apertadas com alicate e os dedos foram atingidos com marteladas. A garota, de 21 anos, diz que teve os bicos dos seios apertados com o alicate.
A ação dos policiais do 6º Batalhão virou alvo de investigação da Corregedoria da Polícia Judiciária de São Bernardo -órgão da Justiça- e da própria PM e passou a ser denunciada por entidades de direitos humanos.
"É um caso escandaloso. Mostra como funciona a polícia de São Paulo", disse o advogado Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos. Ele estava no grupo de advogados e familiares que compareceu na última audiência do processo, no dia 9, para pedir a soltura dos jovens. Como o PM não apareceu mais uma vez, a prisão em flagrante foi relaxada.
Os jovens falaram pela primeira vez da suposta tortura dois dias depois da prisão. Anotação no livro de atividades do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Mogi das Cruzes, para onde os homens foram levados, registrada às 13h do dia 20 de fevereiro, aponta escoriações em dois deles. Na ocasião, eles falaram que foram agredidos pelos policiais.
No dia 17 de março, os cinco falaram das supostas tortura ao juiz. Familiares passaram a denunciar o caso, e a Corregedoria da Polícia Judiciária iniciou uma investigação, segundo o juiz-corregedor Luis Geraldo Lanfredi. Familiares dos presos já foram ouvidos.
A ACAT - Brasil (Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura) divulgou no mês passado um relatório sobre o caso. O documento, elaborado por Isabel Peres, vice-coordenadora da entidade, pede o afastamento dos policiais envolvidos e a investigação.
Segundo um dos jovens, cerca de 20 PMs participaram das agressões. O documento da ACAT identifica Schilive e mais três policiais: Ademilson Ramos, Sandro da Silva Serra e Ademilson Viana. Os quatro foram afastados, segundo a secretaria.
Ramos e Serra já tinham sido denunciados pelo Ministério Público pelo crime de tortura por causa de um incidente ocorrido no dia 7 de fevereiro deste ano. Dois jovens -um deles menor de idade- afirmam que foram espancados pela dupla, que também teria usado o cadáver resultante de um acidente de trânsito para amedrontar as vítimas. A denúncia foi rejeitada pela Justiça, mas a Promotoria recorreu.
Familiares dos presos apontam uma série de contradições no processo. Comunicações entre os PMs envolvidos na ação e o Copom, registradas a partir das 21h16 do dia 18 de fevereiro, mostram que Schilive informou aos colegas, inicialmente, que tivera seu carro roubado por dois homens. Não há referência a outros carros envolvidos no crime.
Na delegacia, o PM afirma que fora roubado por cinco pessoas e cita três veículos. Ele também disse que medidores de pressão (óleo, combustível, turbina etc.), que estavam em caixas no seu carro, foram levados pelos ladrões.
Os equipamentos teriam sido encontrados no carro de um dos jovens presos, só que estavam instalados no painel. "A prisão ocorreu nem meia hora depois do roubo. Como podem ter instalado os aparelhos e fugido?", disse José (nome fictício), pai de um dos jovens. Também foram anexados ao processo, pela família do jovem preso, as notas fiscais da compra dos equipamentos.


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