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ESCÂNDALO NO INTERIOR
Ladrões conseguiram vender veículos depois que falsos BOs atestaram que os casos estavam solucionados
Delegacia "esquentou" carros roubados
ALEXANDRE HISAYASU
DA REPORTAGEM LOCAL
Policiais do interior do Estado
de São Paulo estão sendo investigados por suspeita de "esquentar" automóveis e caminhões roubados por meio de falsos boletins
de ocorrência que atestam que os
veículos foram localizados e devolvidos aos seus proprietários.
A partir da emissão desses BOs,
os veículos são liberados no cadastro do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), de
modo que os ladrões conseguem
revendê-los tranqüilamente.
O golpe foi descoberto há cerca
de 15 dias, porque uma das vítimas é parente de um delegado.
Ela teve o carro roubado e, ao
checar os dados do veículo no Denatran, descobriu que policiais registraram o encontro e a devolução do veículo. O carro já havia,
inclusive, sido revendido.
A Corregedoria da Polícia Civil
passou então a investigar o caso e
descobriu outras 27 situações
idênticas. Todos os BOs falsos haviam sido registrados pela Dise
(Delegacia de Investigação Sobre
Entorpecentes) da cidade de Jacupiranga (260 km de São Paulo).
No total, houve 14 caminhões, 11
carros e três picapes localizados,
segundo os boletins de ocorrência
da delegacia, mas que, na prática,
nunca foram entregues aos verdadeiros proprietários.
Os veículos foram roubados nos
Estados de São Paulo, Paraná e
Rio Grande do Sul e "localizados"
por policiais da Dise.
A fraude
A Folha teve acesso a um dos
BOs falsos. No documento, de número 075/05, consta que os policiais da delegacia de entorpecentes de Jacupiranga localizaram
um caminhão, roubado em novembro de 2004 no Paraná, abandonado na rodovia Régis Bittencourt, já no Estado de São Paulo.
"Foi localizada a vítima, que
aqui compareceu para reconhecimento e retirada de seu veículo",
diz o documento policial, que tem
as assinaturas do delegado Carlos
Henrique Fogotin de Souza e do
chefe do cartório central, Oswaldo de Oliveira Júnior.
O delegado Souza afirma que
sua assinatura foi falsificada. Júnior não foi encontrado pela reportagem da Folha, mas, em depoimento à corregedoria, também alegou falsificação de sua assinatura. O laudo pericial ainda
não foi concluído.
Em outro documento sobre o
mesmo caso, a delegacia de entorpecentes avisa à polícia do Paraná
que encontrou o caminhão roubado e o devolveu à vítima, o motorista Rogério Rodrigo Baisch.
O veículo, avaliado em R$ 180
mil e que não tinha seguro, pertence ao empresário Ivo Velasques, 50, dono de uma transportadora de cargas no Rio Grande
do Sul. Para ele, não há dúvidas
sobre a participação de policiais
na fraude.
"Até os dados do BO falso estão
errados. No dia em que o meu
motorista teria ido à Dise para pegar o caminhão (29 de março de
2005), ele, na verdade, estava fazendo uma entrega no Nordeste
do país. Além disso, a idade dele é
24 anos, e não 52 anos, como
consta no boletim de ocorrência.
Eles [policiais] até falsificaram a
assinatura do meu motorista",
afirmou o empresário.
Velasques também descobriu o
golpe ao checar os dados do caminhão no Denatran. Desanimado,
pensa em encerrar suas atividades. "Eu fui roubado, enganado e
não tenho para quem reclamar.
Estou indignado e apavorado.
Não sei aonde isso pode chegar",
declarou à Folha.
O advogado André Luiz Alves
de Sousa, contratado por Velasques para tentar localizar o caminhão, afirma que denunciou o caso ao Ministério Público.
"Eu fui à delegacia de entorpecentes de Jacupiranga para saber
o que aconteceu com o caminhão
e ninguém respondeu nada. Espero que providências sejam tomadas, pois a sociedade não consegue mais conviver com essa postura por parte de determinados
policiais", afirmou o advogado.
Jacupiranga
Localizada no Vale do Ribeira, a
cidade de Jacupiranga tem apenas
18.380 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), numa área de
708 quilômetros quadrados. A
agricultura é a base da economia,
em especial o cultivo da banana.
Com investigação sob sigilo, o
caso dos BOs falsos ainda não
chegou a repercutir nas ruas da cidade, considerada pacata. De
2003 a março de 2005 houve quatro homicídios no município.
A delegacia de entorpecentes de
Jacupiranga funciona apenas no
horário comercial, fechando nos
fins de semana e feriados.
Está localizada em um pequeno
imóvel de cinco cômodos no centro da cidade, com uma recepção,
sala do delegado, sala do escrivão,
sala dos investigadores e banheiro. Não tem carceragem.
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