São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2005

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ESCÂNDALO NO INTERIOR

Ladrões conseguiram vender veículos depois que falsos BOs atestaram que os casos estavam solucionados

Delegacia "esquentou" carros roubados

ALEXANDRE HISAYASU
DA REPORTAGEM LOCAL

Policiais do interior do Estado de São Paulo estão sendo investigados por suspeita de "esquentar" automóveis e caminhões roubados por meio de falsos boletins de ocorrência que atestam que os veículos foram localizados e devolvidos aos seus proprietários.
A partir da emissão desses BOs, os veículos são liberados no cadastro do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), de modo que os ladrões conseguem revendê-los tranqüilamente.
O golpe foi descoberto há cerca de 15 dias, porque uma das vítimas é parente de um delegado.
Ela teve o carro roubado e, ao checar os dados do veículo no Denatran, descobriu que policiais registraram o encontro e a devolução do veículo. O carro já havia, inclusive, sido revendido.
A Corregedoria da Polícia Civil passou então a investigar o caso e descobriu outras 27 situações idênticas. Todos os BOs falsos haviam sido registrados pela Dise (Delegacia de Investigação Sobre Entorpecentes) da cidade de Jacupiranga (260 km de São Paulo).
No total, houve 14 caminhões, 11 carros e três picapes localizados, segundo os boletins de ocorrência da delegacia, mas que, na prática, nunca foram entregues aos verdadeiros proprietários.
Os veículos foram roubados nos Estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul e "localizados" por policiais da Dise.

A fraude
A Folha teve acesso a um dos BOs falsos. No documento, de número 075/05, consta que os policiais da delegacia de entorpecentes de Jacupiranga localizaram um caminhão, roubado em novembro de 2004 no Paraná, abandonado na rodovia Régis Bittencourt, já no Estado de São Paulo.
"Foi localizada a vítima, que aqui compareceu para reconhecimento e retirada de seu veículo", diz o documento policial, que tem as assinaturas do delegado Carlos Henrique Fogotin de Souza e do chefe do cartório central, Oswaldo de Oliveira Júnior.
O delegado Souza afirma que sua assinatura foi falsificada. Júnior não foi encontrado pela reportagem da Folha, mas, em depoimento à corregedoria, também alegou falsificação de sua assinatura. O laudo pericial ainda não foi concluído.
Em outro documento sobre o mesmo caso, a delegacia de entorpecentes avisa à polícia do Paraná que encontrou o caminhão roubado e o devolveu à vítima, o motorista Rogério Rodrigo Baisch.
O veículo, avaliado em R$ 180 mil e que não tinha seguro, pertence ao empresário Ivo Velasques, 50, dono de uma transportadora de cargas no Rio Grande do Sul. Para ele, não há dúvidas sobre a participação de policiais na fraude.
"Até os dados do BO falso estão errados. No dia em que o meu motorista teria ido à Dise para pegar o caminhão (29 de março de 2005), ele, na verdade, estava fazendo uma entrega no Nordeste do país. Além disso, a idade dele é 24 anos, e não 52 anos, como consta no boletim de ocorrência. Eles [policiais] até falsificaram a assinatura do meu motorista", afirmou o empresário.
Velasques também descobriu o golpe ao checar os dados do caminhão no Denatran. Desanimado, pensa em encerrar suas atividades. "Eu fui roubado, enganado e não tenho para quem reclamar. Estou indignado e apavorado. Não sei aonde isso pode chegar", declarou à Folha.
O advogado André Luiz Alves de Sousa, contratado por Velasques para tentar localizar o caminhão, afirma que denunciou o caso ao Ministério Público.
"Eu fui à delegacia de entorpecentes de Jacupiranga para saber o que aconteceu com o caminhão e ninguém respondeu nada. Espero que providências sejam tomadas, pois a sociedade não consegue mais conviver com essa postura por parte de determinados policiais", afirmou o advogado.

Jacupiranga
Localizada no Vale do Ribeira, a cidade de Jacupiranga tem apenas 18.380 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), numa área de 708 quilômetros quadrados. A agricultura é a base da economia, em especial o cultivo da banana.
Com investigação sob sigilo, o caso dos BOs falsos ainda não chegou a repercutir nas ruas da cidade, considerada pacata. De 2003 a março de 2005 houve quatro homicídios no município.
A delegacia de entorpecentes de Jacupiranga funciona apenas no horário comercial, fechando nos fins de semana e feriados.
Está localizada em um pequeno imóvel de cinco cômodos no centro da cidade, com uma recepção, sala do delegado, sala do escrivão, sala dos investigadores e banheiro. Não tem carceragem.


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