São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

O acordão e o acórdão

"A pizza está na boca do forno", vociferam alguns. O leitor certamente sabe que me refiro ao mais que putrefato momento da vida (vida?) nacional. À boca pequena (e à grande, também), fala-se de um possível "acordão", que salvaria do pelourinho os corruptos de hoje e os de antanho. Haja estômago!
Como o meu assunto é mais leve, limitar-me-ei a eles, isto é, aos aspectos lingüísticos da questão. Vamos aos fatos, pois. Diga lá: que diferença há entre "acórdão" e "acordão"? Comecemos pelo termo do momento, o infame "acordão", que, embora a muitos talvez não pareça, nada mais é do que o aumentativo de "acordo". O que se trama no breu das tocas é justamente um grande acordo entre gregos e troianos (e entre outras turmas de "inimigos") para que tudo acabe em pizza.
O problema é que muita gente boa anda lendo "acordão" com tonicidade no "o" da sílaba "cor" ("acórdão"). O diabo é que a palavra "acórdão" existe -e é outra história. Trata-se de termo da linguagem jurídica, que, de acordo com o "Aurélio", significa "decisão proferida em grau de recurso por tribunal coletivo". A definição do "Houaiss" é um pouco mais extensa e detalhada: "Decisão final proferida sobre um processo por um tribunal superior, que funciona como paradigma para solucionar casos análogos".
E sabe qual é a origem de "acórdão"? Nada mais do que a substantivação de "acordam", flexão da terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo "acordar" (que, no caso, não tem o sentido de "espertar" ou "despertar", mas o de "concordar").
Ai, ai, ai... Pelo jeito (sobretudo se levarmos em conta a definição do "Houaiss"), os que pronunciam "acordão" como "acórdão" até que não se enganam muito...
A esta altura, convém lembrar que se acentua "acórdão" pela mesma razão pela qual se acentuam palavras como "órgão", "sótão", "órfão", "bênção" etc. Trata-se de paroxítonas terminadas no ditongo "ão". Convém lembrar também que o plural desses vocábulos é feito com o simples acréscimo de "s": "órgãos", "sótãos", "órfãos", "bênçãos". O plural de "acórdão", portanto, só pode ser "acórdãos".
A ocasião talvez seja boa para lembramos outro fato importante sobre as terminações "ão" e "am". Não são poucos os profissionais de rádio e TV que se enrolam na hora de pronunciar formas como "treinaram" e "treinarão", "participaram" e "participarão", "enfrentaram" e "enfrentarão" etc.
Volta e meia, é um tal de "Os jogadores que enfrentaram amanhã..." ou "Os jogadores que enfrentarão ontem...". A coisa é muito simples: as formas que terminam em "rão" são do futuro; as que terminam em "ram" são do pretérito perfeito. Moral da história: "Os jogadores que enfrentarão amanhã..."; "Os jogadores que enfrentaram ontem...".
Por fim, vale lembrar que a história de "acabar em pizza" nasceu em São Paulo, salvo engano por obra e graça do já falecido jornalista e radialista Milton Peruzzi, que, ao comentar as eternas e acaloradas brigas entre as facções do seu querido Palmeiras, sempre dizia que, ao fim e ao cabo, as brigas e discussões acabariam em uma mesa de uma das tantas cantinas das imediações do Palestra Itália. O prato? "Una bella pizza", é claro. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Em Pinheiros, grupo ataca aposentado
Próximo Texto: Trânsito: Jogo provoca mudança no trânsito em vias do Morumbi
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.