São Paulo, segunda-feira, 04 de agosto de 2008

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Por superávit, país corta educação no trânsito

No primeiro semestre, Denatran só aplicou 13,8% da verba que deveria destinar a cursos e trabalhos de prevenção de acidentes

Nível de congelamento é recorde desde 1998, quando foi adotado o código de trânsito; R$ 1,46 bi deixou de ser investido em 10 anos

Henrique Manreza/Folha Imagem
Carro sobre calçada e em local proibido na av. Angélica, centro

ALENCAR IZIDORO
RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao mesmo tempo em que aumenta a rigidez contra os condutores alcoolizados e planeja um reajuste de 64,5% no valor das multas de trânsito, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descumpre seu papel de investir os recursos que, por lei, deveriam ser destinados para educar motoristas e pedestres e prevenir acidentes.
O Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), ligado ao governo federal, usou no primeiro semestre só 13,8% do dinheiro que recebeu do DPVAT (seguro obrigatório pago por donos de veículos) e do Funset (fundo nacional das multas).
Nesses seis meses, deixou de investir R$ 217,4 milhões que tinham de ser usados exclusivamente em ações como educação e segurança do trânsito.
O nível de congelamento desse dinheiro é recorde desde 1998, ano de implantação do Código de Trânsito Brasileiro -apesar da necessidade citada por especialistas de preparar e orientar os condutores, por exemplo, para a lei seca, que entrou em vigor em 20 de junho.
A menor proporção de investimentos federais dos recursos das multas e do seguro obrigatório se deu em 2006, quando apenas 19,9% da arrecadação pôde ser usada pelo Denatran.
A principal razão da retenção está ligada às metas de superávit fiscal do governo federal. A receita das multas e do DPVAT serve de economia para demonstrar a capacidade de pagamento da dívida pública.
A prática de congelar esse dinheiro pago por infratores e donos de veículos se arrasta desde a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas acabou intensificada pelo governo petista.
Nos últimos dez anos, R$ 1,46 bilhão que entrou no caixa da União com essa finalidade deixou de ser investido em educação do trânsito e prevenção de acidentes. O dinheiro equivale a três Orçamentos anuais da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo.
"É mais que incoerência, é uma irresponsabilidade. Diria até que é uma postura criminosa. O problema da segurança do trânsito é muito grave. Fechar a torneira, nesse caso, é quase contribuir para um genocídio", diz Paulo Cesar Marques, professor de engenharia de tráfego da Universidade de Brasília.
O total de mortes em batidas e atropelamentos no país atinge 35 mil por ano -equivalente a ter, a cada dois dias, um acidente similar ao do avião da TAM em Congonhas em 2007.
O aperto da fiscalização a motoristas embriagados já contribuiu para uma queda de acidentes e vítimas. Especialistas ouvidos pela Folha defendem a regra rígida, mas criticam a ausência de ações educativas.
"Ela precisaria ter sido acompanhada de uma campanha de esclarecimento para todas as camadas, preparando a população, até para dar respaldo e credibilidade à lei", defende Helena Raimundo, da comissão de educação de trânsito da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos).
"E tem de ser permanente, igual à campanha de cerveja. Não pode ser disperso", afirma Ailton Brasiliense, diretor do Denatran de 2003 a 2005.
A última campanha educativa do Denatran ou do Ministério das Cidades no trânsito foi contratada em 2007. De lá para cá, praticamente nada foi feito. Nesse caso, além do congelamento dos recursos do DPVAT e do Funset, a cúpula do trânsito de Lula também responsabiliza a demora para contratar uma agência de propaganda.

Incoerência
O valor das multas de trânsito está congelado desde 2000, mas a arrecadação disparou mais de 200% -principalmente devido à expansão de radares. O governo Lula prepara um projeto para aumentar a punição aos infratores do trânsito -a multa leve saltaria de R$ 53,20 para R$ 90; a gravíssima, de R$ 191,54 para R$ 315.
Alguns especialistas defendem esse reajuste sob a justificativa de que, apesar de a finalidade dos recursos ser desviada, ela amedrontaria os infratores.
Outros discordam. "O valor da multa tanto faz. O problema é a certeza da impunidade. E arrecadar mais para qual fim específico? É muita incoerência", critica Brasiliense.


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