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Por superávit, país corta educação no trânsito
No primeiro semestre, Denatran só aplicou 13,8% da verba que deveria destinar a cursos e trabalhos de prevenção de acidentes
Nível de congelamento é recorde desde 1998, quando foi adotado o código de trânsito; R$ 1,46 bi deixou de ser investido em 10 anos
Henrique Manreza/Folha Imagem
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Carro sobre calçada e em local proibido na av. Angélica, centro
ALENCAR IZIDORO
RICARDO SANGIOVANNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ao mesmo tempo em que aumenta a rigidez contra os condutores alcoolizados e planeja
um reajuste de 64,5% no valor
das multas de trânsito, a gestão
do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) descumpre seu
papel de investir os recursos
que, por lei, deveriam ser destinados para educar motoristas e
pedestres e prevenir acidentes.
O Denatran (Departamento
Nacional de Trânsito), ligado
ao governo federal, usou no primeiro semestre só 13,8% do dinheiro que recebeu do DPVAT
(seguro obrigatório pago por
donos de veículos) e do Funset
(fundo nacional das multas).
Nesses seis meses, deixou de
investir R$ 217,4 milhões que
tinham de ser usados exclusivamente em ações como educação e segurança do trânsito.
O nível de congelamento desse dinheiro é recorde desde
1998, ano de implantação do
Código de Trânsito Brasileiro
-apesar da necessidade citada
por especialistas de preparar e
orientar os condutores, por
exemplo, para a lei seca, que entrou em vigor em 20 de junho.
A menor proporção de investimentos federais dos recursos
das multas e do seguro obrigatório se deu em 2006, quando
apenas 19,9% da arrecadação
pôde ser usada pelo Denatran.
A principal razão da retenção
está ligada às metas de superávit fiscal do governo federal. A
receita das multas e do DPVAT
serve de economia para demonstrar a capacidade de pagamento da dívida pública.
A prática de congelar esse dinheiro pago por infratores e donos de veículos se arrasta desde
a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), mas acabou intensificada pelo governo petista.
Nos últimos dez anos, R$ 1,46
bilhão que entrou no caixa da
União com essa finalidade deixou de ser investido em educação do trânsito e prevenção de
acidentes. O dinheiro equivale
a três Orçamentos anuais da
CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de São Paulo.
"É mais que incoerência, é
uma irresponsabilidade. Diria
até que é uma postura criminosa. O problema da segurança do
trânsito é muito grave. Fechar a
torneira, nesse caso, é quase
contribuir para um genocídio",
diz Paulo Cesar Marques, professor de engenharia de tráfego
da Universidade de Brasília.
O total de mortes em batidas
e atropelamentos no país atinge 35 mil por ano -equivalente
a ter, a cada dois dias, um acidente similar ao do avião da
TAM em Congonhas em 2007.
O aperto da fiscalização a
motoristas embriagados já contribuiu para uma queda de acidentes e vítimas. Especialistas
ouvidos pela Folha defendem a
regra rígida, mas criticam a ausência de ações educativas.
"Ela precisaria ter sido
acompanhada de uma campanha de esclarecimento para todas as camadas, preparando a
população, até para dar respaldo e credibilidade à lei", defende Helena Raimundo, da comissão de educação de trânsito
da ANTP (Associação Nacional
de Transportes Públicos).
"E tem de ser permanente,
igual à campanha de cerveja.
Não pode ser disperso", afirma
Ailton Brasiliense, diretor do
Denatran de 2003 a 2005.
A última campanha educativa do Denatran ou do Ministério das Cidades no trânsito foi
contratada em 2007. De lá para
cá, praticamente nada foi feito.
Nesse caso, além do congelamento dos recursos do DPVAT
e do Funset, a cúpula do trânsito de Lula também responsabiliza a demora para contratar
uma agência de propaganda.
Incoerência
O valor das multas de trânsito está congelado desde 2000,
mas a arrecadação disparou
mais de 200% -principalmente devido à expansão de radares. O governo Lula prepara um
projeto para aumentar a punição aos infratores do trânsito
-a multa leve saltaria de
R$ 53,20 para R$ 90; a gravíssima, de R$ 191,54 para R$ 315.
Alguns especialistas defendem esse reajuste sob a justificativa de que, apesar de a finalidade dos recursos ser desviada,
ela amedrontaria os infratores.
Outros discordam. "O valor
da multa tanto faz. O problema
é a certeza da impunidade. E
arrecadar mais para qual fim
específico? É muita incoerência", critica Brasiliense.
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