São Paulo, quinta-feira, 04 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Foi um inferno", dizem jovens sobre prisão

Questionados sobre sessões de tortura, denunciadas por eles à época da prisão, os três rapazes se recusaram a falar

Renato, William e Wagner ficaram presos durante dois anos, acusados de estuprar e matar a ex-namorada de Renato, Vanessa de Freitas


Joel Silva/Folha Imagem
Wagner Conceição da Silva, William Brito Silva e Renato Correia de Brito, soltos após 2 anos na prisão

JULIANA COISSI
EM SÃO PAULO

RACHEL COSTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Renato Correia de Brito, 24, seu primo, William César de Brito Silva, 28, e seu amigo, Wagner Conceição da Silva, 25, soltos ontem depois de passar dois anos na prisão por um crime que não cometeram, dizem que agora só querem abraçar a família e retomar a vida.
Eles afirmam que será difícil esquecer os dois anos passados na prisão sob a acusação de ter violentado sexualmente e matado Vanessa Batista de Freitas, 22, ex-namorada de Renato. "Foi um inferno. Em um espaço para 12 pessoas na cela estavam 40. A família ficou presa conosco", conta William.
O sofrimento deixou marcas. Com síndrome do pânico, a mulher de William não sai de carro sem a família nem entra sozinha em elevador. "Logo que ele foi preso, a gente direto tinha que levá-la ao hospital. Ela está com problema cardíaco", conta a sua mãe, Marta Grigório, 40.
O filho do casal, Kauã, 3, não é de brincar, e a escola já pediu psicólogo. "Na volta da visita na prisão [sábado], ele pegava o celular: "Vou ligar para o meu pai vir para casa'", diz a avó.
O padrasto de William, Laerte de Moura, 53, tomado pelo nervosismo, sofreu na época um acidente de carro e perdeu a visão do olho esquerdo. Ele não pode mais dirigir caminhão e a renda da família ficou apertada.
Mãe de William e tia de Renato, a quem ajudou a criar -a mãe dele morreu há 15 anos-, a doméstica Maria Aparecida de Brito, 48, disse que nas visitas à prisão sempre havia choro. "Eles não conseguiam falar, só lembrando da humilhação."

Tortura
Questionados sobre a tortura, os rapazes se recusam a falar. Alegam que estão fracos e que não querem mais reviver aquele "inferno".
Renato perdeu 15 kg na prisão e William, 20 kg. Apesar da debilidade, recebiam com abraços os familiares e amigos que lotavam a casa cedida por uma vizinha. Foram recebidos com fogos de artifício e aplaudidos quando saíam para a rua.
"Não falei que esse pesadelo ia acabar?" dizia William, abraçando a mulher, Natália Priscila Brandão, 20. "Cadê o nêgo do papai?", sorria ele para Kauã.
Renato, o primeiro a ser detido, aceita falar dos momentos antes da tortura, quando policiais o abordaram em sua casa, por volta das 10h de um sábado de agosto de 2006.
"Chegaram já falando se eu não tinha vergonha de ter feito isso. Mas não falavam o que era. Até então, eu não sabia que ela [Vanessa, a ex-namorada] tinha morrido."
No seu celular estavam registrados os telefones do primo William e do colega Wagner. "Ligaram no meu celular. Disse onde estava. Coisa de dez minutos depois, cercaram meu carro", afirma William. Eram três PMs e um policial civil. "Você está preso, você está preso", era só o que diziam.
Instantes depois, disse, chegou um carro da PM, com Renato dentro. Um dos policiais perguntou se William conhecia o rapaz no veículo. Ele reconheceu o primo. Foi colocado em outro veículo; os dois foram levados a um matagal.
Eles não dão detalhes da tortura, mas William conta que ouvia "gritos, só gritos" de Renato. "Não tenho palavras. Foram os piores momentos da minha vida." Os dois só chegaram à delegacia por volta das 16h30.
No depoimento, nova pressão, conta Renato. "Em todo momento, queriam que eu assinasse vários papéis. Nem cheguei a ler para saber o que era."
Wagner foi o último a ser preso, também em casa. Sem trabalho havia 15 dias, ele se preparava para ir a uma entrevista de emprego.
Ele afirma que sofreu agressões dez dias depois, na delegacia. Só pela TV, dias depois, disse Wagner, é que foi conhecer o rosto de Vanessa.
Mãe de Wagner, a dona-de-casa Iraildes Alves Conceição, disse ter previsto que o filho apanharia assim que os PMs entraram em sua casa. "Jogaram meu filho no chão. Gritaram: "A casa caiu". Quebraram a porta. Está até hoje quebrada."
Iraildes quer punição para quem agrediu o filho. "Eu mesma entreguei na época o nome de todos os PMs. Falei que queria e que quero Justiça."


Texto Anterior: Em Pernambuco, Justiça condena sargento e 14 soldados por tortura
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.