São Paulo, sexta-feira, 04 de setembro de 2009

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ANÁLISE

Escola de engenharia em crise: tragédia

Mastrângelo Reino - 28.ago.2006/Folha Imagem
Engenheiros e outros funcionários trabalham em obra de SP

JOSÉ ROBERTO CARDOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na década de 70, época do milagre econômico, quando no Brasil tínhamos algo em torno de 250 cursos de engenharia, a procura por um curso de engenharia pelos jovens era grande e a qualidade era alta, pois estava parametrizada no nível de qualidade das escolas tradicionais de engenharia, dentre as quais a Escola Politécnica da USP, a Escola de Engenharia da UFRJ, o ITA -fonte de inspiração da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp-, a FEI e a Mauá, entre outras.
A qualidade era mantida devido ao fato de que o material humano recebido, oriundo das escolas públicas, detinha um padrão de qualidade altíssimo que é até hoje reverenciado e citado como uma das grandes perdas nacionais.
Tudo virou pó junto com a destruição da escola pública. Nossos grandes projetos foram definhando por duas décadas praticamente. Deixamos de pensar em tecnologia e passamos a valorizar o "pé de boi", dar um jeitinho passou a ser ciência (ou ainda é!) e nossos salários foram lá embaixo.
O pior reflexo desta fase foi a imagem que a engenharia passou aos jovens, sobretudo aquele do ensino médio. A engenharia deixou de ser uma profissão nobre, que muitos aspiravam ter, para ser uma profissão de desempregados, profissionais mal remunerados, responsável pela agressão ao ambiente e associado à corrupção. Por incrível que pareça, a escola pública acompanhou este pensamento e deixou de incentivar seus jovens a seguir esta carreira. O estudante que ousava manifestar seu interesse pelas exatas era ridicularizado nas salas de aula.
O país, acompanhando esta tendência, deixou de investir em tecnologia, de modo que a tecnologia e a inovação saíram do cenário de incentivo governamental, quando ainda não tínhamos uma estrutura empresarial sólida para sustentá-la.
A baixa remuneração afastou também os profissionais da área tecnológica. Assim, os professores de física, matemática e química, vetores de incentivo juvenil à carreira tecnológica, preferiram procurar empregos em outras carreiras mais bem remuneradas a ser um professor de escola pública, mal pago e não respeitado.
Estima-se que no Brasil faltem 80 mil professores de física e matemática e 50 mil professores de química; isto é, temos algo em torno de 130 mil profissionais ensinando física, química e matemática que não entendem nada de física, química e matemática -e transformam estas três disciplinas em um bicho de sete cabeças que afasta nosso jovem de uma carreira tecnológica.
São os frutos deste cenário que estamos colhendo ao analisar o desempenho das engenharias neste último Enade. A formação do nosso ensino médio é centrada em humanidades, quando deveria ser equilibrada com a tecnologia, isto é, as disciplinas de exatas são um apêndice na estrutura curricular. Como consequência, as escolas de engenharia, em particular as particulares, deixaram de receber recursos humanos qualificados e bem formados, o que exigiu mudanças nas suas estruturas curriculares para tentar manter esse aluno em sala de aula. É comum encontrar em escolas de engenharia cursos de matemática que são meras revisões de conteúdos que deveriam ser supridos pelo ensino médio.
O Brasil comporta atualmente mais de 1.500 cursos de engenharia. Mais de 300 mil estudantes estão matriculados nestes cursos. No entanto, em média, menos de 15 alunos se formam por curso -e 60% daquele contingente se evade ao final do segundo ano, justamente por não ter formação adequada para acompanhar as exigências de um curso com alto teor de disciplinas tecnológicas.
Precisamos, urgentemente, recuperar a qualidade dos cursos de engenharia, sob pena de não conseguirmos atender aos desafios do desenvolvimento que o nosso país enfrenta neste momento.


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