São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007 |
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PASQUALE CIPRO NETO Demitindo a "demissão" do gerúndio
"ALÔ, É DO GOVERNO do Distrito Federal? -É. -O governador está? - Não; ele está a viajar. -Está "a viajar'? Mas não é de Brasília? Ou será que me enganei e telefonei para Lisboa?" Pois é, caro leitor. Se os servidores do governo do Distrito Federal levarem a ferro e fogo a "ordem" do governador José Roberto Arruda (DEM), esse diálogo talvez se torne real. Explico: segunda-feira, o governador do DF "demitiu" o gerúndio. Lá vai a íntegra do texto oficial: "Decreto nº 28.314, de 28 de setembro de 2007. Demite o gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências. O governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA: Art. 1º - Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal. Art. 2º - Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA. Art. 3º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 28 de setembro de 2007. 119º da República e 48º de Brasília JOSÉ ROBERTO ARRUDA" Fora eu o "Gerúndio" (o caro leitor notou que, no decreto, o dito-cujo virou substantivo próprio?), entraria com uma ação na Justiça do Trabalho. "Que história é essa de me demitir?", perguntaria o Gerúndio aos advogados do governo do DF. A assessoria do governador explica que, quando ele cobrava a conclusão de projetos, recebia respostas como "Vou estar terminando", "Vou estar lhe informando", "Vou estar concluindo". De fato, frases como essas transmitem a sensação de que nada acontecerá. Isso é herança maldita do ultramegachato uso de bobagens como "Ele tem que estar enviando um fax", "Vou estar transferindo a ligação", "Você tem que estar pegando uma senha", "Não pude estar comparecendo" etc. Nessas insuportabilíssimas frases, emprega-se a estrutura "estar + gerúndio" para indicar processos que não são durativos ("Estava tomando banho"; "Nessa hora vou estar almoçando com ela") nem simultâneos ("Quando você estiver falando com ele, estarei terminando o relatório"). Pois o nó da questão é justamente o mau uso do gerúndio, ou melhor, da estrutura "estar + gerúndio" (que recebeu o nome de "gerundismo"). O governador tem pleno direito de enfurecer-se com seus assessores enrolões, mas nenhum direito de tentar legislar sobre o uso da língua, sobretudo quando essa tentativa esbarra em impropriedades técnicas. Viva o gerúndio! Abaixo o decreto do governador do DF! Abaixo o mau uso de "estar + gerúndio"! E, sobretudo, abaixo todos os enrolões (da administração pública, do Senado, da Câmara Federal, das empresas de telefonia fixa, móvel etc., etc., etc.)! Em tempo: um funcionário do Congreço, digo, Congresso Nacional encomendou por conta própria um carimbo com os dizeres "Congreço Nacional". Milhares de documentos receberam o tal carimbo. Pensando bem, não terá sido um ato falho? Com o Congresso exibindo níveis indigentes de comportamento, nada de "ss". Seu Creysson neles! É isso. inculta@uol.com.br Texto Anterior: CPI aprova relatório que isenta a Anac Próximo Texto: Trânsito: Jogo faz a CET mudar o trânsito perto do Morumbi no domingo Índice |
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