São Paulo, sábado, 04 de outubro de 2008

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Festa dos solteiros só atrai "solteironas" de meia-idade

1º Festa Internacional dos Solteiros reuniu 135 pessoas, a maioria mulheres

Pacote de cinco dias para o evento, na Costa do Sauípe (Bahia), custou R$ 1.548; homens e mulheres se disseram decepcionados

PAULO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL À MATA DE SÃO JOÃO (BA)

Não é fácil cumprir as promessas embutidas em um evento chamado "1ª Festa Internacional dos Solteiros". Especialmente quando há quase o dobro de mulheres, a maioria delas com idades acima de 45, como no encontro que reuniu na semana passada 135 pessoas em um dos ruidosos hotéis da Costa do Sauípe, no litoral norte da Bahia.
"Só tem mulher aqui e ninguém de fora do Brasil: o encontro deveria se chamar "1a. Festa Interestadual de Solteiras'", sugere a empresária mineira Adiene, 48.
Para o hotel, foi ótimo. De olho nos 85 milhões de avulsos (solteiros, separados, viúvos) que vivem no Brasil, a cadeia pretende promover o evento todos os anos -como já faz em Cuba e na Jamaica.
"Vendemos mais do que esperávamos. Nossa idéia é mudar a imagem dos encontros para "singles", sempre ligados à molecada, e fazer algo que busque integração, não só azaração", diz o coordenador de marketing do hotel Breezes, Alexandre Fernandes.
De fato, não tinha molecada. Mas a maioria dos "maduros" passou cinco dias esperando que algo extraordinário acontecesse -por R$ 1.548.
"Vimos o pacote na internet, achamos o preço acessível, era tudo enganação. Dizia lá que vinham 500 pessoas. Ninguém aqui imaginou que iria encontrar tanta gente da terceira idade", diz a empresária baiana Vera, uma loura de cerca de 60, cabelos compridos, lentes de contato verdes, brincos pingentes de cristal e top preto de paetês -ela janta com duas amigas de sua idade.
Os homens não estavam muito mais felizes. "O fato de ter mais mulheres não quer dizer nada. Vai ver as mulheres! Eu quero qualidade, não quantidade", pondera um jornalista que se apresenta como JP, 60.

Pulseira amarela: "mico"
A maioria dos integrantes do grupo preferiu não revelar o nome para a reportagem, nem (muito menos) posar para fotos. Diziam que já bastava serem obrigados a circular pelo hotel usando uma pulseira amarela, que os identificava como participantes do grupo dos solteiros -para muitos, era "a confissão pública do "mico'".
"Eu tô na contramão desse povo. Não sou "singa" (feminino de "single'). Isso é preconceituoso. É como baile dos "gay", dos "pobre", dos japonês" (sic)", diz uma empresária paulista casada quatro vezes, que "fugiu" para Salvador à noite.
À medida que o desastre vai se tornando inevitável para muitos, começa o tiroteio.
"Os homens são poucos, e fracos", torce o nariz a secretária paulista Deise, 40.
E qual o seu tipo?
"Meu tipo é homem [pausa]. Que não seja viado, entende?. Os gays são divertidos, mas o que eu vou fazer com eles? Imagina você rodeado de sapatões.." (Ela não soube mostrar um gay por perto).
Várias mulheres se atacam (à distância): elas apontam a "piranha"; a que exagerou no botox ("Até assustou aquela criancinha!"); palpitam na cobertura ("Não tira foto dessas derrubadas!"); contam histórias de homens que as beliscaram na bunda ("Pode"?) e das cantadas absurdas.
Mas são denunciadas: "Você acha que elas foram atacadas à toa? Aqui tem muito peito murcho se fazendo de mocinha", acredita a sergipana Roseana, 47, separada, três filhos. Ela diz: "Tô amando o encontro! Eu amo tudo! A gente está num lugar lindo, esse céu, esse mar, vou me aborrecer por quê?"
Roseana topa posar para fotos com o empresário baiano Oswaldo*, 45, separado; segundo a maior parte das mulheres, Oswaldo "ciscou todas!". "Esse tá desesperado!", dizem.
Os homens são mais simples ao justificar o fracasso: "Rapaz! É muita velharia. Me venderam outra coisa", diz o comerciante Léo, 34, de Recife, um dos mais jovens do evento.
A reportagem foge do tiroteio, para descansar. No quarto, ouve um batuque pachorrento vindo da piscina, onde o grupo musical do hotel repete: "Vôôô pru canaviáá!". É como se estivesse em um filme americano sobre índios brasileiros.

Cupido, não!
Yolanda Oliveira, 55, agente de viagens paulista que trabalha com solteiros há dez anos e vendeu o evento da Bahia em parceria com o hotel, diz:
"Sempre deixo claro que não sou cupido. Bolei esses programas porque ouvi muitas reclamações de gente que viaja sozinha e paga diária de casal, ou se vê cercada de crianças. Tinha passageiro que voltava dizendo que só conseguiu fazer amizade com o motorista do citytour."
Segundo ela, "o problema é que as pessoas criam expectativas de arrumar alguém e, se não acontece, nada mais agrada."
Mas tem o outro lado disso: o solteiro que consegue um parceiro e não vê nenhum defeito no evento. "É a melhor viagem que eu já fiz na vida!", diz Dalva, 50, dentista e professora universitária em Brasília, que está de mãos dadas com um administrador de empresas de 55 anos, separado, dois filhos (ele não diz o nome), que ela conheceu no traslado para o hotel.
Pergunta-se: onde os recém-conhecidos transam, já que são duas ou três pessoas em cada quarto? "Durante o dia, enquanto duas estão na praia, a terceira leva o cara para o quarto", diz Oswaldo. Dalva reage: "Eu, não! Paguei R$ 700 de diária a mais para ficar sozinha. Meu dia vale isso!"

Cunhada do marido
A publicitária Elisa Maria, 60, que se define como "sexygenária" e vai a muitos eventos de solteiros, concorda com a agente Yolanda: "Eu posso dar uns pegas, beijo, converso, mas não estou aqui para arrumar namorado. Agora: tem mulher que não é feia, nem burra: é chata mesmo. E fica sozinha."
Separada, Elisa conta que o ex-marido casou com a irmã dela e virou seu cunhado. "Fiquei feliz porque ela toma conta dele", diz a publicitária, que foi eleita "a solteira do evento".
O "solteiro" foi o engenheiro carioca Hermes, 48, separado, dois filhos. Como todos os que estão se divertindo, ele parece interessado apenas em "interagir". E o que leva alguém a comprar um pacote para solteiros?
"Quando vou ao cinema sem companhia, fica todo mundo olhando, me sinto estranho. Aqui, eu tô sentado em uma mesa cheia de gente e penso: "Caraca! Eu não tô excluído"."
Seu companheiro de quarto, o paulista Ricardo, 38, que está em seu oitavo encontro para solteiros, diz que sempre fica com alguém (a moça não quis se identificar). Mas é preciso ir a um evento assim para ficar com alguém? "Você conhece muita gente, é gostoso", diz.

De noite, na boate
Na boate acontece uma espécie de "catarse single". Como é "sistema de open bar" (bebida grátis), a maioria relaxa depois de algumas caipirinhas:
"Olha, quando me falaram desse encontro, imaginei muita mulher sapatona, bicha e travesti", diz a cabeleireira paulista Dirce, 55, que dança o tempo todo. Ela conta que nunca se casou porque não teve tempo.
No dia seguinte, Adiene, a mineira do terceiro parágrafo, diz que, apesar do "desentrosamento geral do encontro, o serviço do hotel é muito bom"
"Hoje, acordei com enxaqueca e me levaram café no quarto. Não agüento esses perfumes fortes [das mulheres], tenho alergia a desinfetante."
Hermes, que acompanha o dia-a-dia da reportagem, observa. "Isso aí não é uma matéria, é um boletim de ocorrência."


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