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"Tribunal do crime" é negócio, diz promotor
Integrantes do Ministério Público afirmam que o PCC julga criminosos para manter área de ponto-de-venda de drogas livre da polícia
"Eles julgam porque têm uma visão mercantilista, querem trazer tranqüilidade para o local onde vendem drogas", afirma Roberto Wider Filho
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Os promotores Sandra Reimberg e Roberto Wider Filho, do
Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime
Organizado) de Santo André
(ABC), órgão do Ministério Público Estadual, investigaram
nos últimos seis meses um dos
núcleos mais atuantes da facção criminosa PCC (Primeiro
Comando da Capital) no que
diz respeito aos "tribunais do
crime" feitos na Grande SP.
Conforme a Folha revelou
dia 21 de setembro, polícia e
Promotoria, com auxílio de escutas telefônicas autorizadas
pela Justiça, prenderam 27
pessoas ligadas ao PCC e acusadas de promover os "júris". Outras 20 foram identificadas. Até
agora, nove vítimas desses "tribunais" foram identificadas. Os
"tribunais" são "julgamentos"
comandados por um presidiário do PCC que assume o papel
de "juiz" para determinar, por
meio de um celular, a morte ou
não de uma pessoa -seja ela do
PCC ou não.
FOLHA - O que são os "tribunais do
crime" do PCC?
ROBERTO WIDER FILHO - São tribunais de justiçamento com duas
naturezas principais: uma é a
manutenção da disciplina dentro da hierarquia do PCC. Eles
condenam pessoas que lesam a
facção criminosa e integrantes
que não cumprem as ordens
dentro da facção criminosa. A
outra natureza é a de que esses
tribunais se estendem às pessoas estranhas aos quadros da
facção e aí é mais grave ainda,
porque eles estão julgando, eles
se arvoram no poder de julgar
pessoas que nem sequer fazem
parte daquela quadrilha.
FOLHA - E por quais motivos as pessoas sofrem esse justiçamento?
WIDER FILHO - Eles julgam essas
pessoas pelo cometimento de
crimes comuns [homicídios,
estupros etc], com a pena de
morte aplicada muitas vezes.
FOLHA - Por que os criminosos do
PCC julgam quem cometeu crimes
comuns, mesmo quando esses crimes não são ligados à facção?
WIDER FILHO - Eles julgam porque têm uma visão mercantilista, querem trazer tranqüilidade para o local onde vendem
drogas. A finalidade principal
da facção criminosa, a mais lucrativa, apesar de eles praticarem roubos, homicídios e muita corrupção, é o tráfico de drogas, fonte de renda mais lucrativa da facção, o que eles chamam na quadrilha de "sintonia
do progresso", o que causa o incremento financeiro dentro da
organização. Eles podem progredir se tiverem mais dependentes das drogas e, para eles,
isso é progredir.
FOLHA - Qual é a lógica do PCC ao
impor o terror dos justiçamentos?
WIDER FILHO - Qualquer distúrbio no local de venda de drogas
reduz o comércio e causa um
prejuízo para eles. E o que eles
tentam? Limpar a área em torno do comércio de drogas para
que assim possam desenvolver
a atividade criminosa deles
com mais eficiência, a atividade de comércio de drogas.
FOLHA - Esses justiçamentos ocorrem para tentar afastar a ação do Estado e seu braço policial?
WIDER FILHO - Exatamente, isso
é uma preocupação permanente dos criminosos do PCC.
SANDRA REIMBERG - No caso de
um estupro [cujo justiçamento
foi gravado pelos promotores
do Gaeco/ABC], eles demonstram a preocupação com a polícia e falam assim: "Ah, a mãe da
menina [supostamente violentada] falou que vai chamar a polícia", mas aí eles falam para
não chamar a polícia porque
eles [os criminosos do PCC]
exigem que seja chamada a liderança da disciplina [integrante do PCC em liberdade]
da região para resolver o caso.
Não é para chamar a polícia.
FOLHA - O que acontece quando a
pessoa pede ajuda à polícia?
WIDER FILHO - Se acionar a polícia, aquela vítima não vai ter a
assistência da facção criminosa. Mas por que não pode chamar a polícia? Porque a polícia
vai fazer diligência, vai vir viatura e aí o comércio de drogas
tem uma interferência. Eles
têm uma orientação bem clara:
se chamar a polícia, a gente não
vai julgar o suposto autor do
crime naquela região.
REIMBERG - A pessoa que não é
integrante da quadrilha, mas
cometeu um crime na área onde o PCC vende drogas vai
atrair a polícia e vai ser julgado.
E vai ser julgado não porque cometeu um crime, mas, sim, por
ter provocado a ação policial e
por atrapalhar o tráfico.
FOLHA - Essas ações do PCC influenciam, por exemplo, o não cometimento de um homicídio?
WIDER FILHO - O homicídio é,
dentre aqueles crimes que se
comete, o que causa maior interferência no tráfico. Porque o
corpo fica lá horas, tem de vir o
Instituto de Criminalística, depois vai ter de vir o IML [Instituto Médico Legal], a Polícia
Civil, a Polícia Militar vai preservar o local do homicídio.
Um homicídio em determinada área vai chamar a atenção de
órgãos do Estado durante um
dia inteiro e o comércio de drogas está parado. O homicídio é
um crime que tem uma reação
muito grande do PCC. Se ocorreu um homicídio, vai ser um
prejuízo grande no tráfico.
REIMBERG - Agora, por que a taxa de homicídios tem sofrido
baixas constantes no Estado de
São Paulo? A pessoa que está
naquela comunidade dominada pelo PCC pensa duas vezes
antes de matar. Ela sabe que se
matar sem autorização do PCC
ela vai morrer. E de uma forma
rápida. Na lógica deles, vida
com vida se paga. Essa é a forma de você conseguir impedir
que alguma coisa aconteça. Se
acontecer, você ter punição rápida e grave. É isso o que o PCC
faz: se você matar alguém sem
autorização da facção, você vai
morrer. Por isso reduz a taxa de
homicídios.
FOLHA - Mas o Estado tem realizado ações para baixar o número de
homicídios há alguns anos...
REIMBERG - Claro que existem
várias políticas do Estado para
diminuir os homicídios. Agora,
esse tipo de homicídio que a
gente está acostumado a ver
por briga de ponto de tráfico reduziu. Quantas mortes tem por
briga de ponto de tráfico? É tudo do PCC, não é como, por
exemplo, no Rio de Janeiro, onde um morro briga com o outro.
Não tem isso. Está tudo dominado pelo PCC.
FOLHA - Quem são os criminosos
que assumem o papel de "juiz" nesses justiçamentos do PCC?
WIDER FILHO - São pessoas despreparadas, com o conhecimento da vida do crime, mas
obviamente são pessoas despreparadas julgando cidadãos.
E você vê o cidadão tendo de
prestar contas, com a pena de
morte, com a espada sobre a cabeça. A espada é a pena de morte, literalmente. O cidadão tem
de prestar contas para os integrantes da facção criminosa.
Isso é o oposto do Estado de direito completamente.
REIMBERG - É aquela história,
por que essa mãe da menina estuprada não procura a delegacia e prefere procurar o PCC?
Porque, com certeza, ao menos
no meu ponto de vista, o desespero dela é muito grande e ela
quer resolver a situação. E a situação para eles vai ser melhor
e mais prontamente resolvida
com o PCC do que com a Justiça. Porque vai na delegacia, vai
ter de fazer laudo e, daqui três
anos, vai sair uma sentença.
Eles querem Justiça rápida e
com as próprias mãos.
FOLHA - Como o Estado tem de agir
para mudar essa atuação terrorista
dos criminosos do PCC?
WIDER FILHO - A questão é ter
uma visão macro. Isso só existe
dessa forma, esses justiçamentos, porque existe uma organização criminosa poderosa
atuando plenamente. Para mudar isso, o Estado tem de ser
mais firme em vários campos.
Primeiro, na contenção do preso e da criminalidade dentro
dos presídios. Isso é um dever
do Estado. Por meio do [telefone] celular principalmente. O
sistema penitenciário tem servido para a contenção do criminoso e não da criminalidade.
FOLHA - Os presídios de São Paulo
não contêm a criminalidade?
WIDER FILHO - O criminoso está
efetivamente preso, mas ele
continua no exercício da atividade criminosa dele. E isso é
uma decadência, é o fim do Estado. Porque o sistema não
contém a criminalidade, ele
não se presta para aquilo. O sistema penitenciário tem de servir tanto para a contenção do
criminoso quanto da criminalidade. A pessoa não pode ficar
de dentro do sistema prisional
operando uma organização criminosa. A questão é de rigor, rigor na visita, rigor no celular,
rigor na fiscalização efetiva da
pessoa no sistema.
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