São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

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Minoria, homens resistem e dão aulas em escolas de educação infantil

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como o rinoceronte de Sumatra, o professor Fábio Guacy de Lucio, 37, é uma espécie raríssima. Único homem entre as mais de 50 mulheres da equipe de educação infantil do colégio Rainha da Paz, no Alto de Pinheiros (região oeste de São Paulo), ele trabalha com crianças de 1 a 7 anos.
Brinca, sorri da gritaria, acode o chororô e, se for preciso, troca fraldas.
"Aqui eles têm uma estrutura legal. Na outra escola eu fazia tudo. Não me importo."
É curioso vê-lo, com 1,90 m, 134 kg, pés 48, brincando como se fosse um He-Man com a criançada. Enquanto Yunis, 3, sobe em um tronco à sua frente, Fábio explica, com seu jeito tranquilão, que não pretende se igualar às crianças. "Procuro me mostrar próximo."
O começo foi como professor de educação física. Fábio substituiu um amigo que dava aula para crianças e, em seu empenho para se aproximar delas, passou a fazer aquilo que se tornou sua especialidade: contar histórias. Surtiu tanto efeito que ele era chamado para contá-las em festinhas. "As crianças param o que estão fazendo para ouvir histórias."

Carreira feminina
Casado, pai de um filho, Fábio é o típico "na dele", o que não impede o assédio de mães e o ciúme de pais. "Tem uns que chegam aqui dizendo que o filho os chamou pelo meu nome. Tranquilizo-os dizendo que as crianças também me chamam pelo nome deles", diz.
De acordo com o relatório da Unesco de 2006, apenas 2% dos profissionais de educação infantil no Brasil são homens. O estudo diz ainda que o magistério é uma carreira predominantemente feminina: há 83% de mulheres; 98%, no caso de creches e pré-escolas.
"Historicamente, o ofício de professora (de crianças) é visto como uma extensão da maternidade. E existe a ideia de que o homem, um arrimo de família, não conseguiria mantê-la com uma profissão "de mulher'", diz a professora de psicologia da educação da USP Sílvia Gasparian Colello.

Pais x Professores
E os pais, o que acham de deixar os filhos pequenos, na escola, nas mãos de um homem? "Todo mundo adora a presença masculina nesse universo infantil. Os meninos, então, nem se fala", diz a dona de casa Ana Cristina Andrade, 37, mãe de Luana, 4.
Cristiano Costa, 36, um dos educadores das 140 crianças do colégio Grão de Chão, em Perdizes (zona oeste de SP), diz que sua relação com os pais é "ótima". "Nunca senti nenhum estranhamento, ao contrário. Eles procuram chegar, conversar, e confiam", diz ele, cuja carreira começou com aulas de capoeira para crianças. Agora, Cris, que tem três filhos com idades entre 12 e 5 anos, cursa pedagogia.
Calça xadrez, camisa de capoeira, tênis All Star e dreadlock no cabelo, ele está montando um castelo em cima de módulos de madeira, galões grandes vazados e pneus no quintal da escola.
Rodeado por crianças que gritam, gargalham, se beliscam, tudo ao mesmo tempo, Cris amarra um pano branco (o telhado do castelo) em um mastro colorido e uma árvore.
"As pessoas dizem que eu tenho paciência, mas não tenho nenhuma. Se dependesse de paciência, não estaria aqui. Pra mim é natural, prazeroso estar com crianças."
A dona da escola, Paula Ruggiero, 44, acredita que "professores e professoras são complementares: as crianças precisam dos dois". "O homem lida de forma diferente com a criança. O grupo do Cris é extremamente autônomo em questões básicas, como ir ao banheiro. E uma professora nunca proporia uma brincadeira com módulos colocados numa altura dessas."

O mais jovem
O professor mais jovem a ingressar na rede municipal, aos 19, escolheu a educação infantil. "Eu me sinto mais à vontade entre os menorzinhos", diz André Sanches, 24, que trabalha com turmas de 24 crianças de até 3 anos, no Centro Educacional Unificado (CEU) de Cidade Dutra (zona sul).
Casado com uma professora, pai de um menino de 1 ano, André entrou para o magistério por influência da irmã. "São 60 professoras e o André: por ser o único, todos, mesmo os alunos de outras séries, o conhecem pelo nome", diz a gestora do CEU, Maria Ângela Tescaro. André é o entusiasmo em pessoa. Fala de seus métodos e do amor pelas crianças, mas, como os outros entrevistados, sem afetações de "professorinha". "Ninguém me trata por "tio" ou professor. As crianças me chamam pelo nome."


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