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Imóveis desapropriados viram vida das pessoas de ponta-cabeça
Com ampliações da malha viária, expansões aeroportuárias e do metrô, a cidade vai engolindo cenários e paisagens; os proprietários reclamam da falta de informação
GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA
Os cenários e paisagens que
ilustram a reportagem estão
sujeitos a desaparecer. Marcados como áreas de utilidade pública, devem ser engolidos por
obras de infraestrutura em razão do chamado progresso.
Rodoanel, pistas da marginal
Tietê, metrô e aeroportos rasgam ao meio bairros e cidades,
trazendo abaixo ocupações irregulares e imóveis com escritura. Ações que, juntas, já consumaram ou planejaram cerca
de 10 mil desapropriações.
Para o urbanista Fábio Calazans, uma das razões para uma
aparente onda de desapropriações em São Paulo é a falta de
planejamento. "A cidade se tornou uma colcha de retalho de
loteamentos. É caótica, e qualquer intervenção urbana acaba
em desapropriações", diz.
Diante da obrigatoriedade
-estabelecida por lei- de ceder o imóvel, quem recebe a notificação de desapropriação pode acabar num mar de dúvidas.
Qual o prazo para deixar o lar?
Qual será o valor oferecido?
"É um impacto inicial que,
muitas vezes, tem final feliz",
refresca Sérgio Correa Brasil,
diretor de assuntos corporativos do Metrô. A companhia trabalha na desapropriação de 370
imóveis para construir o primeiro trecho da linha 5-lilás.
O Metrô afirma que elas são
necessárias e que os lotes são
escolhidos com rigor técnico.
Em abril, houve uma audiência
pública com moradores e representantes da companhia.
Segundo um aposentado presente, a linguagem foi tecnicista. "Não entendi nada", reclama Klaus Zyturus, 70, que vai
ter sua casa, em Moema, desapropriada. Ele e sua mulher,
Karin, 67, moram no sobrado
de 165 m2 desde 1965.
Quando compraram o imóvel, havia um bosque na região.
Entre a cozinha e a sala, criaram um jardim, investiram em
móveis de madeira, e as janelas
e portas são de imbuia. "Um
projeto para a velhice", dizem.
O Metrô já depositou em juízo R$ 228.530 para os proprietários, que foram comunicados
por carta da desapropriação.
"Eles se dirigem a nós como
"senhores ocupantes'", reclama
Klaus. "Procuramos casa na região e, por menos de R$ 600
mil, não vimos nada igual."
Pelas "dores de cabeça",
Klaus e Karin se sentem moralmente prejudicados. Danos
dessa natureza, contudo, não
entram na conta. Valores afetivos e gastos com escrituras e
impostos também não.
Aeroportos
Com o caos aéreo e duas tragédias envolvendo aviões, expansões aeroportuárias ganharam caráter de urgência.
Em Campinas, o aeroporto
de Viracopos investirá em uma
área de 12,36 km2, com 3.172 lotes urbanos e 88 rurais. Para liberar o local, já há mil ações de
desapropriação em andamento, 650 delas ajuizadas.
Com paisagem de cerrado, a
região cerca a comunidade alemã Friburgo, criada em 1879.
Tombadas pelo Conselho de
Defesa do Patrimônio Artístico
e Cultural de Campinas (Condepacc), as construções serão
preservadas, garante a Infraero. Mas os herdeiros terão de se
retirar da área com "restrições
de ocupação. "Nossas tradições
devem acabar", lamenta o lavrador Gerson Schäfer, 55.
Caso raro
Nem sempre esses processos
são vilões. Lúcia Ramenzoni,
66, que teve parte de um terreno na Vila Olímpia incorporado
pela prefeitura, ficou "satisfeita" com a indenização: R$ 246
mil por 90 m2.
Mas casos como esse são raros. E, segundo o urbanista Fábio Calazans, as experiências
ruins explicam a angústia que
ronda a palavra desapropriação. "As pessoas ficam em pânico porque os órgãos públicos
não oferecem alternativas."
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