São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

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Imóveis desapropriados viram vida das pessoas de ponta-cabeça

Com ampliações da malha viária, expansões aeroportuárias e do metrô, a cidade vai engolindo cenários e paisagens; os proprietários reclamam da falta de informação

GUSTAVO FIORATTI
DA REVISTA DA FOLHA

Os cenários e paisagens que ilustram a reportagem estão sujeitos a desaparecer. Marcados como áreas de utilidade pública, devem ser engolidos por obras de infraestrutura em razão do chamado progresso.
Rodoanel, pistas da marginal Tietê, metrô e aeroportos rasgam ao meio bairros e cidades, trazendo abaixo ocupações irregulares e imóveis com escritura. Ações que, juntas, já consumaram ou planejaram cerca de 10 mil desapropriações.
Para o urbanista Fábio Calazans, uma das razões para uma aparente onda de desapropriações em São Paulo é a falta de planejamento. "A cidade se tornou uma colcha de retalho de loteamentos. É caótica, e qualquer intervenção urbana acaba em desapropriações", diz.
Diante da obrigatoriedade -estabelecida por lei- de ceder o imóvel, quem recebe a notificação de desapropriação pode acabar num mar de dúvidas. Qual o prazo para deixar o lar? Qual será o valor oferecido?
"É um impacto inicial que, muitas vezes, tem final feliz", refresca Sérgio Correa Brasil, diretor de assuntos corporativos do Metrô. A companhia trabalha na desapropriação de 370 imóveis para construir o primeiro trecho da linha 5-lilás.
O Metrô afirma que elas são necessárias e que os lotes são escolhidos com rigor técnico. Em abril, houve uma audiência pública com moradores e representantes da companhia.
Segundo um aposentado presente, a linguagem foi tecnicista. "Não entendi nada", reclama Klaus Zyturus, 70, que vai ter sua casa, em Moema, desapropriada. Ele e sua mulher, Karin, 67, moram no sobrado de 165 m2 desde 1965.
Quando compraram o imóvel, havia um bosque na região. Entre a cozinha e a sala, criaram um jardim, investiram em móveis de madeira, e as janelas e portas são de imbuia. "Um projeto para a velhice", dizem.
O Metrô já depositou em juízo R$ 228.530 para os proprietários, que foram comunicados por carta da desapropriação. "Eles se dirigem a nós como "senhores ocupantes'", reclama Klaus. "Procuramos casa na região e, por menos de R$ 600 mil, não vimos nada igual."
Pelas "dores de cabeça", Klaus e Karin se sentem moralmente prejudicados. Danos dessa natureza, contudo, não entram na conta. Valores afetivos e gastos com escrituras e impostos também não.

Aeroportos
Com o caos aéreo e duas tragédias envolvendo aviões, expansões aeroportuárias ganharam caráter de urgência.
Em Campinas, o aeroporto de Viracopos investirá em uma área de 12,36 km2, com 3.172 lotes urbanos e 88 rurais. Para liberar o local, já há mil ações de desapropriação em andamento, 650 delas ajuizadas.
Com paisagem de cerrado, a região cerca a comunidade alemã Friburgo, criada em 1879. Tombadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc), as construções serão preservadas, garante a Infraero. Mas os herdeiros terão de se retirar da área com "restrições de ocupação. "Nossas tradições devem acabar", lamenta o lavrador Gerson Schäfer, 55.

Caso raro
Nem sempre esses processos são vilões. Lúcia Ramenzoni, 66, que teve parte de um terreno na Vila Olímpia incorporado pela prefeitura, ficou "satisfeita" com a indenização: R$ 246 mil por 90 m2.
Mas casos como esse são raros. E, segundo o urbanista Fábio Calazans, as experiências ruins explicam a angústia que ronda a palavra desapropriação. "As pessoas ficam em pânico porque os órgãos públicos não oferecem alternativas."


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