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PASQUALE CIPRO NETO
"Punidade" e "impunidade"
Os leitores que já passaram dos 30 certamente se
lembram do episódio do "imexível", protagonizado pelo ex-ministro Antônio Rogério Magri.
Já tratei desse caso há uns bons
anos, mas talvez não custe relembrá-lo. Um belo dia (em 1990, salvo engano), o então ministro do
Trabalho disse que só o presidente (Fernando C. de Mello) a cujo
governo servia era "imexível".
O mundo desabou na cabeça de
Magri. O motivo da chacota era o
fato de não haver registro da palavra "imexível". De fato não havia registro de "imexível" (o
"Houaiss", lançado em 2001, já
registra o termo; o "Novo Aurélio
Século XXI", lançado em 1999,
não lhe dá abonação).
Embora carecesse e careça de
uso, de lastro, de tradição -fatos
que justificam o registro de uma
palavra nos dicionários-, o termo "imexível" é formado de acordo com os cânones da língua. Em
"imexível", encontra-se o sufixo
latino "-vel", assim definido pelo
"Aurélio": "Formador de adjetivos, a partir de radical verbal latino (...), ou vernáculo, e que significa "digno de", "passível de praticar ou sofrer determinada ação'".
Na explicação do "Aurélio", a
palavra "vernáculo" ("relativo ao
idioma de um país") é a chave para que se desvende o nó da questão: o verbo "mexer" é vernáculo,
ou seja, é da nossa língua. Magri
fez com "mexer" o que já se fazia
com "tocar" ("intocável"), "negociar" ("inegociável"), "ler" ("ilegível"), "crer" ("incrível") etc.
O fato que explica a "criação"
do termo "imexível" é o mesmo
que explica a formação de palavras como "pobríssimo", "magríssimo" ou "docíssimo", que muita
gente julga "erradas". São legítimas (e registradas), já que se
constroem a partir da forma portuguesa (vernácula, portanto)
dos adjetivos "pobre", "magro" e
"doce", respectivamente. Quem
prefere a forma erudita, baseada
no radical latino, opta por "paupérrimo", "macérrimo" e "dulcíssimo", respectivamente, ao empregar o superlativo absoluto sintético dos adjetivos citados.
E de onde vêm as palavras que
estão no título desta coluna? Vêm
de um pronunciamento do presidente da República. Na semana
passada, ao comentar a proposta
de mudança da maioridade penal, Lula empregou a palavra
"punidade", o que bastou para
muita gente desferir golpes no
português do presidente.
O termo "punidade" de fato
não encontra registro nos dicionários. Para "qualidade ou caráter de punível", registra-se a palavra "punibilidade", que, como todas as derivadas de adjetivos terminados em "-vel" (como "punível"), volta à origem e troca o "v"
por "b" na passagem para o substantivo abstrato (de "amável" se
faz "amabilidade"; de "visível" se
obtém "visibilidade"; de "legível"
se forma "legibilidade").
"Impunidade" aparece nos dicionários como "estado de impune". Por sua vez, "impune" é "que
escapa ou escapou à punição; que
não é ou não foi castigado; impunido". Como se vê, o emprego acidental de "punidade" não é motivo para nenhum terremoto.
Por fim, talvez seja bom aproveitar o tema para lembrar que
"punir" pode significar "infligir
pena; dar castigo; castigar" e que
não se deve confundir "infligir"
com "infringir". "Infringir" ("desrespeitar") é o que mais se faz no
Brasil; "infligir" ("aplicar pena")
é o que menos se faz. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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