São Paulo, sexta-feira, 04 de dezembro de 2009

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BARBARA GANCIA

É com você, Lombardi


Não me lembro de um tempo na minha vida em que a expressão "É com você, Lombardi" não existisse

TENHO UMA VOZ horrorosa, de travesti velho, produto de anos e anos massacrando minhas cordas vocais. Eu falo tanto que, certa vez, minha tresloucada amiga Bucicleide me disse que meu epitáfio não poderia ser outro senão: "Enfim, ela calou a boca".
Sério, sou tão matraca que na adolescência fui forçada a passar um mês sem abrir o bico, em razão de um calo que estava se formando em minhas cordas vocais. Lembro que o professor entrava na sala de aula e dizia: "Que silêncio maravilhoso, vocês não acham?" Ao que a classe inteira gritava um "Siiiiiim!" tão audível que seria capaz de reverberar em órgãos internos a dois quarteirões de distância.
Eu falo tanto, que meu cão e personal trainer, Pacheco Pafúncio, corre para baixo da cama quando me vê discar os números do telefone.
Você não entendeu: eu falo tanto e tenho uma voz tão desagradável que meu apelido entre os colegas de colégio na Inglaterra era "fog horn", ou seja, a sirene para alertar navios que toca nos faróis instalados em alto-mar, sabe?
É claro que nunca tive o menor cuidado com a voz (ou com qualquer outra porção em particular da anatomia) até começar a fazer TV e rádio. Aliás, nunca tinha parado para perceber a minha voz, mesmo que metade da humanidade suspeite que esse é o único som que me interesse ouvir.
Mas, de uns quatro anos para cá, depois que virei colunista da Bandnews FM, bastou entrar no táxi para o sujeito saber quem eu sou.
Pouca gente olha para a minha cara, e eu não os culpo, mas bastou eu abrir o buraco negro que carrego no lugar da boca e emitir o som característico que cativa as baleias reprodutoras lá nas proximidades do estreito de Bering, para que algum desconhecido me pergunte como vão o Boechat e o Megale.
Me pus a pensar sobre a "impressão digital" de cada voz na tarde de quarta-feira, ao saber da morte do querido Lombardi. Não me lembro de um tempo na minha vida em que a expressão "É com você, Lombardi" não existisse. E, mesmo assim, nunca me dei conta de que não tinha a mínima ideia da sua fisionomia.
É como se apenas a sua voz já nos bastasse.
Entre os profissionais de locução, Lombardi era considerado um craque. Falei com um deles ontem e ele me disse que o locutor do Silvio cuidava do patrimônio. Que não fumava, não bebia e não tomava gelado.
Mas o que fascina nessa figura icônica cuja morte todos nós lamentamos é o fato de que ele nunca sentiu necessidade de mostrar seu rosto nem foi protagonista de nenhuma história pública que extrapolasse os confins do programa de TV do qual era contratado.
Alguém consegue imaginar essas celebridades pré-fabricadas que aparecem na "Caras" ou falam ao microfone do Amaury Jr. mantendo esse tipo de "low profile", de comportamento discreto?
Soube também que, dentro de sua simplicidade, o Lombardi cultivava o hábito de se locomover pela cidade de ônibus e de metrô. Quantas pessoas ele terá cruzado incógnito que não o teriam abraçado e beijado se soubessem quem ele era?
De repente, me deu um dó terrível de não ter prestado mais atenção no Lombardi em vida.

barbara@uol.com.br

www.barbaragancia.com.br

Twitter: @barbaragancia



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