São Paulo, Sexta-feira, 05 de Fevereiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO

Democracia e gratuidade

JOSÉ RUBENS REBELATTO
e SILVIO PAULO BOTOMÉ

As universidades brasileiras usualmente são confrontadas apartir de qualquer um de seus aspectos: "público x privado", "democráticas x centralizadas" etc. Mas enfatizar as diferenças caricaturando-as em dicotomias absolutas só leva a uma falsificação dos problemas de fundo e a uma diminuição da atenção do que é mais importante: o papel das instituições e os procedimentos mais apropriados para realizá-lo de maneira ampla na sociedade.
Uma universidade não é apenas uma escola responsável pela formação de pessoas. Ela produz o conhecimento e a tecnologia que alimentam essa formação. Precisa ser constituída por pessoas com aptidão, tempo e recursos para, além de ensinar, produzir o conhecimento que vai garantir a qualidade desse ensino. Sem conhecimento, sem acesso amplo a ele e sem sua transformação em ações pela população, nem é possível haver uma "sociedade". Dessa forma, o acesso ao conhecimento e à educação é direito social, não mercadoria.
Simplificar o conceito da universidade em "paga ou gratuita" é desprezar os maiores valores que ela possui. A discussão correta é quanto investir, de que maneira, com quais critérios. O ensino é sempre pago, por meio de mensalidades (diretamente) ou impostos (indiretamente). Quem não paga o ensino em um país cujos níveis de impostos são tão altos?
Uma pessoa pagar ao Estado, por impostos, ou a um particular, por mensalidades, não evidencia o grau de democratização do ensino. A democracia exige muito mais do que considerar só a forma de pagamento. Se os alunos do ensino público, por exemplo, receberem benefícios sem perceber o quanto eles custam para a sociedade, há o risco de uma "deformação" educacional: o diploma não representa um compromisso de devolver à sociedade esse investimento.
Assim, dizer que "o valor arrecadado com as mensalidades dos alunos pode representar a verdadeira democratização do ensino superior brasileiro" (Opinião, pág. 1-3, 6/1) não é argumento para demonstrar que uma universidade gratuita é antidemocrática. O que a democracia exige é o respeito profundo aos direitos sociais que os impostos devem garantir. Tão profundo que faça com que todos se preocupem com os procedimentos para usar os recursos arrecadados.
Brigar com o vizinho e chamá-lo de antidemocrático por ser gratuito (ou outro motivo) é dispensável. Importa mais investir em esforços por um ensino universitário socialmente significativo e acessível a todos. Como fazer isso é uma descoberta que não se esgota nos modelos atuais, embora alguns queiram impor fórmulas aos demais.


José Rubens Rebelatto, 43, doutor em educação pela Unicamp, é reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Silvio Paulo Botomé, 52, doutor em ciências pela USP, é professor titular da UFSCar.


Texto Anterior: Pepebista abre mão de Perus
Próximo Texto: A cidade é sua: Cliente pede reembolso de passeios
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.