São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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CIDADE EM MOVIMENTO

Atraídos pela concentração de serviços, clínicas e centros médicos tomam o lugar dos casarões e cortiços

Hospitais modificam o perfil da Bela Vista

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ruas escuras e vazias, cortiços e casarões não são mais o símbolo da Bela Vista, no centro de São Paulo, graças aos investimentos de hospitais e clínicas médicas. O crescimento consolida o bairro como pólo de serviços de saúde, atrai médicos e provoca mudanças no comércio local.
Só nos últimos 15 meses, surgiram três novos hospitais -as novas unidades do Beneficência Portuguesa e da Pro Matre e um centro especializado em cirurgias pouco invasivas, o Cecmi-, além da ampliação do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e da reforma total do Paulistano, que está em curso.
Surgiram ao menos oito prédios projetados para clínicas nos últimos cinco anos. Casas antigas, marca do bairro, deram lugar a serviços ligados à atividade.
Juntos, Oswaldo Cruz, Beneficência e Cecmi aplicaram declarados R$ 103 milhões. O Paulistano, repaginado por dentro e por fora, não revela valores. A Pro Matre não divulgou quanto pretende investir nos 13 andares do prédio da rua Cincinato Braga, nos fundos do Hospital Santa Catarina.
Com as novidades, a construção civil saiu em busca do público disposto a pagar até R$ 200 mil por um apartamento de 50 m2 para morar perto do trabalho.
Essa conjunção de investimentos mudou a aparência do bairro. Sumiram os pequenos hotéis e pensões com ar de "boca do lixo", os cortiços e ruas vazias. O comércio se sofisticou, a vida ficou mais cara. Todos os projetos dos hospitais têm concepção futurista, com vidro e aço na parte externa. "Como o bairro não tem a "grife saúde", para atrair público investiram em uma arquitetura diferenciada", diz a urbanista Regina Monteiro, diretora da Emurb (Empresa Municipal de Urbanismo).
Na rua Mastro Cardim, resta pouco dos casarões que viraram cortiços com as janelas cheias de roupas ao sol. Os terrenos deram lugar a flats e clínicas. Espremidas e solitárias, duas casas antigas contrastam com as fachadas envidraçadas da parte nova do Beneficência. O único morador só espera o imóvel ser vendido para sair.
"A valorização cruzou a [avenida] Paulista, o lado dos Jardins se esgotou, os médicos estão à procura de casas", diz o corretor Hélcio Quirino. Os aluguéis subiram: uma casa de 100 m 2, alugada por R$ 1.500 até dois anos atrás, sai atualmente por R$ 2.500.
Há uma relação direta entre o crescimento dos hospitais e a reconfiguração do bairro. Desde 2001, o Oswaldo Cruz, por exemplo, dobrou o número de leitos -são 220- e acaba de concluir uma expansão de 21 mil m2.
Maior complexo hospitalar privado da América Latina, o Beneficência já começou a operar o prédio de 13 pavimentos para clientes de alta renda. Serão 60 leitos e sete salas de cirurgia. Será uma espécie de hospital-hotel, com acomodações também para familiares.
Para receber pacientes em tratamento e seus parentes, o flat Arai Residence, a 50 m do Oswaldo Cruz, cobra R$ 1.782 por mês.
A Pro Matre conclui ainda neste ano um complexo médico de 13 andares na esquina das ruas Cincinato Braga e 13 de Maio, ao lado da Clínica do Esporte e nos fundos do Hospital Santa Catarina, a menos de 200 metros da unidade Paraíso dos Laboratórios Fleury.
O Paulistano já foi reformado em 2005, mas o projeto prevê mudanças no entorno. A decoração interna do prédio de 25 anos, antes uma "caixa de fósforo" e hoje remodelado com cor de aço polido, foi feita por um cenógrafo.
Mas o que atrai tantos médicos e hospitais? A razão é prática e revela uma tendência de conexão cada vez maior entre médicos e hospitais. E ainda uma característica bem paulistana: o trânsito.
Para Arnaldo Cividanes, diretor médico do hospital Cecmi, não há como fugir do nicho. "Os médicos rodam entre clínicas e hospitais próximos. Em São Paulo, não dá para operar no Santa Cecília, correr para o Itaim e voltar para uma urgência no Bela Vista."
Para Regina Monteiro, mesmo com o contraste entre o bairro novo e o antigo, a reformulação é pouco agressiva. "Os projetistas fizeram uma coisa boa. Esses prédios novos para clínicas eliminaram muros, colocaram fontes, criaram garagens gratuitas."
Ainda assim, os estacionamentos se multiplicaram. A rua Maestro Cardim tem ao menos nove. A mensalidade chega a R$ 150, e a hora inicial, em média, é de R$ 4. À exceção do entorno do Beneficência, não há congestionamentos. E, à noite, o bairro se apaga, fica silencioso e tem vias tranqüilas.


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