São Paulo, segunda-feira, 05 de março de 2007

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Nenhuma escola estadual na cidade de SP obteve nota azul

Após 11 anos de ensino, os bons colégios particulares contabilizam até 3.300 horas-aula a mais que a escola pública

As 621 escolas tiveram menos de 50% de acerto no Exame Nacional do Ensino Médio

Diego Padgurschi/Folha Imagem
União de Vila Nova 2, em São Miguel, na zona leste de São Paulo, que teve a pior nota no Enem entre todas as escolas da cidade

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) comprova: na cidade de São Paulo, as escolas estaduais são um fracasso, seja no centro, seja na periferia.
Tomando-se os 633 estabelecimentos de ensino sob controle do Estado e excetuando-se 11 escolas técnicas e uma ligada à Faculdade de Educação da USP, todos os 621 colégios restantes tiveram notas inferiores a 50 (de 100 pontos possíveis).
A prova é realizada anualmente. Estudantes do 3º ano ou que já concluíram o ensino médio submetem-se a ela voluntariamente, seja para testar os conhecimentos adquiridos no ensino médio, seja para contar pontos no vestibular.
As notas das escolas foram obtidas a partir das médias aritméticas das notas de seus alunos no exame, composto por teste de conhecimentos gerais e prova de redação.
A "melhor" escola estadual da cidade de São Paulo foi a Rui Bloem, na Saúde, com média 49,88. A "pior" foi a União de Vila Nova 2, na zona leste. Com nome de escola de samba, teve média 27,09. A média geral das estaduais foi 38,42.
O exemplos extremos do Rui Bloem e da União de Vila Nova parecem confirmar a idéia de que quanto mais central a escola, melhor o desempenho de seus alunos. Mas não é assim.
Performances ruins foram observadas até em colégios centrais que foram baluartes do ensino, como o Caetano de Campos, hoje dividido em duas unidades (na praça Roosevelt e na Aclimação), ou o Rodrigues Alves, cujo prédio, recém-restaurado, fica incrustado na rica avenida Paulista.
Caetano e Rodrigues Alves, vizinhos de cinemas, teatros, centros culturais e de museus importantes (muitos com programação gratuita), tiveram desempenhos inferiores aos de escolas de bairros com Índice de Desenvolvimento Urbano análogos aos africanos, como Marsilac ou Guaianases, nas bordas da cidade, onde não há cinema, teatro ou museu.
Para comparar: se o Caetano de Campos da praça Roosevelt teve média 39,35, e o Rodrigues Alves ficou com nota 34,83, escolas como a Professora Ernestina del Buono Trama, de Guaianases, no extremo leste, ou a Regina Miranda Brant, de Marsilac, no extremo sul, somaram respectivamente 45,21 e 39,69 pontos.
Na divisão das escolas por região, feita pela Secretaria da Educação, a área Sul 3 (abrange bairros como Grajaú, Cidade Dutra, Parelheiros, Marsilac e Socorro) teve média 37,74.
A Sul 2 (Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís), mais perto do centro, ficou com média 37,07.
O centro propriamente dito ficou com a média 39,2. A melhor região, a centro-oeste (bairros de Pinheiros, Lapa, Morumbi, Moema, Jardim Paulista) teve média 40,76.
Trata-se, é claro, de um campeonato infeliz o que classifica os melhores entre os piores. Das 621 estaduais, 96% tiveram notas inferiores a 45 -69% ficaram abaixo dos 40 pontos. Para comparação, das 412 particulares que participaram da prova, só 5 (1,2%) pontuaram abaixo de 40. Abaixo de 45 pontos ficaram 25 escolas, ou 6%.
De outro lado, na faixa acima dos 50 pontos, o Enem revelou estarem 293 escolas particulares (71% do total). Lembre-se de que nenhuma das 621 estaduais atingiu a marca.
Segundo a diretora da Faculdade de Educação da USP, Sonia Penin, pode-se falar em metodologia, fatores pedagógicos, proximidade da escola de equipamentos culturais, qualificação do professor ou outras tantas variáveis, mas, para ela, o fator mais importante a determinar o fiasco das públicas é o número de horas de estudo.
"A exposição do aluno ao estudo e à cultura, consubstanciada na carga horária é o nó mais evidente do ensino público", afirma.

Horários puxados
Em comum, as escolas com notas mais altas no Enem, além de serem particulares, têm cargas horárias puxadas (mais de 1.200 horas-aula por ano). As escolas públicas regulares (não-técnicas) oferecem entre 900 e 1.080 horas-aula anuais.
A diferença, vista assim, nem é tão grande. Mas as escolas no topo do ranking têm, além das aulas regulares, um sem-número de atividades extracurriculares, laboratórios de redação, aulas de atualidades a partir da leitura de jornais, plantões de dúvidas, internet e bibliotecas. Tantas atividades chegam a dobrar o tempo de aulas do aluno das boas particulares.
A desvantagem do estudante da rede estadual cresce mais se considerada a praga do absenteísmo dos professores, um "problema impressionante", segundo Penin. Formalmente, o professor pode ter seis faltas abonadas por ano. Sabe-se que é muito mais do que isso, mas o governo não tem dados consolidados sobre o problema.
Se cumprissem o que prometem, as públicas já dariam pouco a seus alunos. Ao fim dos 11 anos regulares de ensino fundamental e médio, o jovem oriundo de bons colégios particulares poderá contabilizar até 3.300 horas-aula de vantagem sobre aquele que só freqüentou a escola pública. Isso equivale a fazer três vezes um cursinho pré-vestibular de um ano.
A conta pode ir até a cinco vezes, se se consideram as faltas de professores, que em algumas escolas custam a perda de dois a três dias de aulas por semana.

"Inclusão excludente"

O professor Demerval Saviani, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, acredita que uma explicação possível para o resultado pífio das estaduais esteja no que chamou de "inclusão excludente", gerada pela "progressão continuada".
"Incluiu-se o aluno na escola, sem dar a ele o domínio de conteúdos elementares." Segundo Saviani, "houve um esforço para melhorar as estatísticas, e não o ensino".
Ele explica: até 1998, 98% dos alunos tinham acesso ao ensino fundamental. Mas pouco mais da metade conseguia formar-se na 8ª série. No início dos anos 90, cerca de 1,5 milhão de alunos eram expulsos ou fracassavam na escola por ano.
Saviani, que não é contrário à "progressão continuada", diz, porém, que o que se fez "foi tentar resolver o drama da evasão e da repetência com uma canetada, sem dotar a escola de instrumentos para garantir que o aluno com dificuldade pudesse resolver esse atraso, com aulas de reforço, por exemplo".
"Implantada em 1997 [durante o governo tucano de Mário Covas (1930-2001)], o resultado da progressão continuada é o que está aí: alunos saem da 8ª série mal sabendo ler e escrever e entram no ensino médio sem condições de acompanhar as aulas por absoluta falta de conhecimentos básicos. Pior do que as notas do Enem despencarem, é ver que a falta de investimento na educação está mantendo a maioria da juventude excluída da atual sociedade do conhecimento", diz.


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