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PASQUALE CIPRO NETO
"Cantor apanha até a morte de PMs"
Se a frase "Cantor apanha de PMs até a morte" é da voz ativa, que ação pratica o cantor? A de apanhar?
NA SEMANA passada, ao comentar o texto da embalagem de um medicamento
("Dor, febre, revigorante, congestão
nasal, coriza"), referi-me ao que se
vê com certa freqüência em títulos
jornalísticos, nos quais a necessidade de atender aos ditames da diagramação pode falar mais alto do que a
de redigir de modo claro e coeso.
E não é que um colega da Redação
me mostrou mais uma preciosidade
do ramo? Ei-la: "Cantor apanha até
a morte de PMs no MA". Publicado
há doze dias, o título se refere a mais
um dos tristes capítulos da interminável megabarbárie brasileira.
Eu já tinha ficado fulo da vida
quando ouvi a notícia pela televisão:
"Confundido com assaltante, músico é espancado por PMs até a morte". O leitor notou o que pode haver
por trás da frase? Parece haver uma
desculpa para o crime da polícia (se
o morto de fato fosse um assaltante...). Estamos tão impregnados de
megabarbárie que a deixamos escapar em frases "ingênuas". No Brasil,
ainda se acha que milicos têm o legítimo direito de decidir quem vive e
quem morre. É o fim do fim do fim.
Mas voltemos ao título jornalístico ("Cantor apanha até a morte de
PMs..."). Tomado ao pé da letra, que
informa ele? Que o suplício do músico terminou no momento em que
certos PMs morreram. Para variar, o
busílis está na regência. A preposição "de" (que integra a expressão
"de PMs") é regida pelo substantivo
"morte" ou pelo verbo "apanhar"?
Parece claro que a intenção do redator era informar que o músico
apanhou de PMs até a morte, portanto o regente da expressão "de
PMs" é o verbo "apanhar". A redação mais "limpa" da frase seria algo
como "Cantor apanha de PMs até a
morte no MA". A expressão adverbial "no MA" poderia ficar no início
da frase, mas isso é outra história.
Como já afirmei em outras ocasiões, textos como o da embalagem
do medicamento ou o que vimos hoje constituem um dos pratos prediletos das bancas examinadoras de
vestibulares importantes. Pede-se
ao candidato que aponte as possíveis
interpretações decorrentes do modo como foi estruturada a frase. Pede-se também que identifique o tipo
de problema (de regência, no exemplo visto) que gera a ambigüidade.
Convém aproveitar a frase do jornal ("Cantor apanha até...") e a da televisão ("Confundido com assaltante, músico é espancado...") para analisar a questão da voz verbal. Na escola, essa abordagem costuma ser
formal, ou seja, prende-se à forma
do verbo. Assim, a primeira construção ("Cantor apanha...") é dada como ativa, e a segunda ("...músico é
espancado...") é dada como passiva,
porque a flexão verbal ("é espancado") é composta pelo verbo "ser"
("é") e por um particípio ("espancado"), o que é típico da voz passiva.
Costuma-se dizer também que, na
voz ativa, "a ação verbal parte do sujeito ("Aurélio") ou "o sujeito pratica
a ação" ("Houaiss"). Tudo bem, tudo
bem, mas perguntar não ofende: se a
frase "Cantor apanha de PMs até a
morte" é da voz ativa, que ação pratica o cantor? A de apanhar e morrer?
A questão é outra, caro leitor. Note
que em nenhum dos dois casos o sujeito gramatical é "PMs". Antepostos aos verbos, os sujeitos são, respectivamente, "cantor" ("Cantor
apanha...") e "músico" ("...músico é
espancado..."). Para pensar. É isso.
inculta@uol.com.br
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