São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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JUSTIÇA

Médico diz que Pimenta Neves tinha transtorno de estresse pós-traumático; dono de haras afirma que ele premeditou assassinato

Defesa vê trauma; acusação, crime pensado

J.R. Garcia/Divulgação
Sala do Fórum de Ibiúna onde ocorre o julgamento de Pimenta Neves, que matou a ex-namorada


DOS ENVIADOS ESPECIAIS A IBIÚNA

No segundo dia do julgamento do jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves, 69, os advogados de defesa tentaram demonstrar aos jurados que ele sofria de estresse emocional que o deixou confuso e desorientado na época do crime. Já a acusação sustentou a tese de que o assassinato da jornalista Sandra Gomide, 32, ex-namorada dele, foi premeditado.
As duas versões podem fazer diferença caso o jornalista seja condenado. Se o júri popular, formado por quatro mulheres e três homens, aceitar a tese da doença, a pena -que pode chegar a 30 anos- deve ser abrandada. O estresse emocional poderia derrubar as qualificadoras de motivo torpe (ciúmes) e impossibilidade de defesa (tiro pelas costas).
Se o júri entender que houve premeditação, o caso (homicídio qualificado) será classificado na lei de crimes hediondos -legislação mais rígida em relação ao cumprimento da condenação. O julgamento, que começou na manhã de quarta-feira, continuava até o fechamento desta edição. A previsão era que se encerrasse na madrugada de hoje.
Pimenta Neves, ex-diretor de redação do jornal "O Estado de S.Paulo", confessou o assassinato. O crime foi cometido, em agosto de 2000, em um haras da zona rural de Ibiúna (a 64 km de SP) após uma discussão entre eles.

"Transtorno de estresse"
A testemunha principal da defesa ouvida ontem foi o médico psiquiatra Marcos Pacheco de Toledo Ferraz. Professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), ele examinou o réu dois dias depois do crime.
Para ele, esse quadro patológico, conhecido como transtorno de estresse pós-traumático, "desorganizou" a vida do jornalista. Essa doença, segundo ele, é comum entre pessoas que voltam de zonas de guerra ou de desastres naturais. No caso do jornalista teria sido causado por três razões: a doença de sua filha, a progressiva perda de visão e a complicada situação amorosa com Sandra.
"Ele teve uma explosão emocional, algo que nenhum de nós está livre", disse o psiquiatra. Questionado pela defesa sobre a intencionalidade do crime, ele afirmou: "Ele não premeditou. Isso é uma convicção para o médico, é uma vivência de quem conversou muito com ele. É uma opinião médica baseada na minha experiência".
Para Ferraz, se Pimenta Neves tivesse premeditado o crime, teria um plano B. "Saberia o que fazer depois de atirar contra a Sandra. Mas ele não soube."
Nove dias após o crime, o jornalista se submeteu a exame no Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo. O resultado apontou que não havia evidências de depressão patológica.
Para Isabel Pimenta Hernandez, irmã do jornalista, o relacionamento atribulado com Sandra também teria contribuído para a crise emocional de Pimenta Neves. Ela afirmou, em depoimento, que tentou ajudar na reconciliação do casal. "Eu disse para ela ter paciência que eles iriam se casar. Então, ela me disse que o Pimenta Neves já tinha 63 anos e, quando chegasse aos 70, ela iria colocá-lo em um asilo. Aí eu desisti."

Acusação
Três testemunhas de acusação ouvidas ontem afirmaram que o crime foi premeditado. João Gomide, pai de Sandra, disse que Pimenta Neves esperou que ele não estivesse ao lado da filha para matá-la. "Por que ele não matou a Sandra no sábado ou na manhã de domingo [dia 20 de agosto de 2000], quando estávamos juntos? Porque esperou ela ficar sozinha."
Gomide também afirmou que Pimenta Neves passou a fazer ameaças após o fim do namoro, principalmente cobrando a devolução de todos os presentes que ele havia dado a Sandra. "Ele [Pimenta Neves] me ligava e dizia que não daria sossego enquanto ela não devolvesse tudo."
Deomar Setti, dono do haras em Ibiúna, afirmou que Pimenta Neves, no dia do crime, esperou várias horas pela chegada da ex-namorada. "Ele olhava para cada carro que chegava no haras para saber se era ela. Só depois do crime eu percebi isso. Ele me enrolou o tempo todo para ter assunto comigo e depois matá-la."
Marlei de Fátima, mulher de Deomar, disse que, três meses antes do crime, Sandra confidenciou ter sido ameaçada de morte pelo jornalista. "Sandra tinha hematomas no pescoço que, segundo ela, foram provocados por Pimenta." Ela disse que não havia falado sobre a suposta ameaça à polícia antes por "medo".
Às 20h10 de ontem, antes do início do debate entre defesa e a acusação, a Promotoria pediu para que peças sigilosas do caso fossem lidas durante a apresentação. O juiz Diego Ferreira Mendes determinou que o plenário fosse esvaziado para que as duas partes pudessem utilizar os documentos sob sigilo, sem prejuízo para a acusação e defesa.
Por conta disso, familiares de Pimenta Neves e de Sandra, bem como a imprensa, tiveram de sair. (ANDRÉ CARAMANTE, FABIO SCHIVARTCHE, GILMAR PENTEADO E MÁRIO ROSSIT)

Acompanhe o resultado do julgamento na http://www1.folha.uol.com.br/folha/ cotidiano


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