São Paulo, quarta-feira, 05 de junho de 2002

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URBANIDADE

O baú de histórias da dona Neusa

Vincenzo Scarpellini
SÃO LUÍS, DO EDIFÍCIO MOREIRA SALLES Como fabricar, em casa, uma nuvem. Deixar cair numa xícara de chá inglês algumas gotas de leite. Apenas o suficiente para que se forme uma suspensão de matéria branca, de forma e consistência incertas. Não se sabe bem com que se parece e se deixará modelar por doces rotações da xícara: contemplar a pequena nuvem dará a sensação do presente que está fugindo (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

A bióloga aposentada Neusa Guerreiro de Carvalho, 72 anos, está preparando um presente diferente para os quatro netos: um baú de histórias, com registros e relíquias da família.
Depois de vários anos de pesquisa sobre sua árvore genealógica, juntou 30 pastas de documentos, cartas, mapas, fotos, misturadas a lembranças de viagens, vestuário de noites nupciais e até trabalhos de tricô. "Os idosos não têm a quem contar os casos. Depois vão embora e perdem-se fatos maravilhosos", diz.
Descobriu ligações com Portugal, Líbano, Itália e Espanha, que se encontraram em São Paulo. Tanto se entusiasmou com as revelações que desenvolveu um projeto, chamado Memórias e Histórias, para ajudar as famílias a conhecer seu passado e a criar baús a serem preservados de geração em geração. "O problema é que quem tem dinheiro não dá valor para essas coisas e quem dá valor não tem dinheiro para pagar por esse trabalho."
Interessado nesses casos perdidos, o Departamento Municipal do Patrimônio Histórico está lançando um programa destinado à terceira idade, batizado de Descobrindo Outras Histórias de São Paulo. "A cidade possui uma vida que não é reconhecida", diz Leila Regina Diegoli, idealizadora do projeto destinado a organizar "baús" e a ajudar os idosos a pesquisar e a registrar sua biografia conectada à cidade.
O problema da falta de identidade é generalizado entre os paulistanos, para quem a cidade se transformou num espaço desfigurado e ameaçador. Por isso surgiu o plano de também atrair as crianças e os jovens, integrando escolas, professores e, em especial, alunos, num concurso sobre a memória dos bairros. "Os estudantes serão estimulados a resgatar documentos, biografias, reportagens e mapas para falar sobre os bairros", diz Leila.
Constitui tarefa difícil atrair diferentes gerações na reconstrução da memória urbana. Os velhos têm saudade de uma cidade que não existe mais. E as crianças não gostam do que vêem nas ruas, não gostam do que existe. Essa é a ponte que dona Neusa tenta construir. Há, porém, um problema no presente aos netos: ela não pára de descobrir fatos novos e ainda não sabe quando poderá entregar o baú. Preferiu, por enquanto, recorrer às novas tecnologias: com a ajuda do Museu da Pessoa, já garantiu sua história para sempre e para qualquer um, fazendo uma espécie de baú virtual, colocado na internet.



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