São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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RIO

Quatro dias depois da rebelião que terminou com 30 presos mortos, comissão encontra armas e restos humanos em Benfica

Para deputados, prisão é pior que o Iraque

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
A deputada Denise Frossard (centro) ouve parentes que aguardam notícias de presos que continuam na Casa de Custódia de Benfica


SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Um grupo formado por sete deputados federais encontrou facões artesanais sujos de sangue, pedaços de couro cabeludo e de tecido humano e forcas improvisadas com fios metálicos durante vistoria ontem de manhã na Casa de Custódia de Benfica (zona norte do Rio), quatro dias após o fim da rebelião que deixou 30 presos e um agente penitenciário mortos.
Os "estoques" (armas pontiagudas improvisadas, no jargão da prisão) eram de metal e de vidro. Estavam na galeria D da casa de custódia, onde ficam 44 presos ameaçados de morte.
Os restos de cadáveres também estavam na galeria, alagada porque os presos, na rebelião, arrebentaram os canos. Os detentos estão com água, misturada a fezes, sangue e vômito, na altura dos tornozelos. Um deles tinha um ferimento a bala nas costas.
Um preso entregou um celular ao deputado Mário Heringer (PDT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Na saída, o grupo disse estar horrorizado com o lugar.
O deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ) chegou a dizer que, após conhecer a unidade e conversar com sobreviventes do massacre, concluiu que a decisão do governo de colocar presos de facções inimigas na mesma prisão é "coisa premeditada" para matá-los. Heringer concordou com ele.
A deputada Denise Frossard (PSDB-RJ) afirmou ter achado impressionante o abandono dos presos em Benfica. "O que vi foi a total desordem, uma bagunça. É caos total. Nem no Iraque [é assim]. Lá dentro, eles [os presos] se governam. Não há governo."
Até o deputado Josias Quintal (PMDB-RJ), aliado do ex-governador Anthony Garotinho, secretário de Segurança Pública do Estado, criticou a situação da casa de custódia, em que estão confinados presos do CV (Comando Vermelho), TC (Terceiro Comando) e ADA (Amigo dos Amigos).
"Não acho que o governo deva misturar as facções", disse ele, que demonstrou irritação com a descoberta de armas, celular e restos humanos. Ele estava com os deputados Wanderval Santos (PL-SP), Chico Alencar (PT-RJ) e Laura Carneiro (PFL-RJ).
O diretor do Instituto Médico Legal, Roger Ancillotti, disse que a perícia recolheu tudo o que era importante para o esclarecimento dos crimes. "O que não estava relacionado aos corpos a gente teve que deixar como lixo. A gente não saiu catando esse tipo de coisa."
Os deputados prepararão um relatório em que poderão sugerir ao Ministério Público que peça intervenção federal no sistema penitenciário do Rio, principalmente nos oito presídios e na casa de custódia em que o governo misturou presos de facções rivais, conforme a Folha revelou ontem.
No final da tarde, o governo transferiu 62 presos para o complexo de Bangu (zona oeste).

Ameaças
O diretor da casa de custódia, major José Roberto Lourenço, disse aos deputados que está recebendo telefonemas ameaçadores em sua casa. Heringer disse que pedirá ao governo estadual a transferência do diretor. Lourenço não quis falar com a Folha.
O juiz da Vara de Execuções Penais, Carlos Augusto Borges, disse que pelo menos 15 sobreviventes eram condenados com recursos esgotados e já poderiam estar em um presídio antes da rebelião. A legislação proíbe que condenados fiquem em casas de custódia.
Ele defendeu o fim da mistura de presos de facções rivais.
Os agentes penitenciários do Rio convocaram uma greve para hoje. Eles pedem reajuste salarial e mais contratações. A PM ficará de prontidão para assumir a segurança dos presídios.


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