São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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Exército cerca emissora de TV para prender sargento gay

Laci Araújo e o companheiro davam uma entrevista ao programa "SuperPop", da RedeTV!

Exército diz que ele foi preso pois é desertor; na revista "Época", os dois foram apresentados como o 1º casal gay da instituição

Apu Gomes/Folha Imagem
Exército em frente a prédio da Rede TV! na madrugada de ontem, em Barueri, ao cumprir mandado de busca e prisão contra sargento

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

Homens da Polícia do Exército armados com fuzis FAL, de uso exclusivo das Forças Armadas e com pistolas, cercaram o prédio da Rede TV! na madrugada de ontem. O objetivo da missão: cumprir mandado de prisão contra o 2º sargento Laci Marinho de Araújo, 36, homossexual assumido, que encerrava uma entrevista ao programa "SuperPop", da apresentadora Luciana Gimenez. O sargento De Araújo, como é conhecido no Exército, estava em companhia do também sargento Fernando de Alcântara de Figueiredo. Ambos falavam sobre o relacionamento amoroso que mantêm desde 1997.
De Araújo e Figueiredo foram tema de capa da última revista "Época", que os apresentou como "o primeiro casal de militares brasileiros que assume a homossexualidade".
"Eles querem me matar"; "Eles querem fazer uma queima de arquivo"; Sou um arquivo morto"; "Vou me suicidar para não ir preso", gritava desesperado o sargento De Araújo, enquanto pedia socorro a entidades de defesa dos direitos humanos e de homossexuais, para evitar sua prisão. Ainda no ar, o programa mostrou o cerco ao prédio, enquanto a apresentadora exclamava nunca ter visto nada igual em anos de carreira.
O argumento para a prisão do sargento De Araújo apareceu às 4h de ontem. Foi nessa hora que o coronel de Cavalaria Cesar Augusto Moura, que chefiava a operação, apresentou o mandado assinado pela juíza militar Vera Lúcia da Silva Conceição. No documento, datado do dia 3 de junho, a juíza ordenou: que se "proceda a busca e captura do desertor (...) Laci Marinho de Araújo (...) Mando que se procedam (sic) a todas as diligências necessárias e se empreguem os meios indispensáveis."
Depressão crônica, epilepsia, esclerose múltipla, estresse traumático. O sargento De Araújo é um catálogo ambulante de doenças psíquicas, motivos que já justificaram sua internação para tratamento psiquiátrico em quatro oportunidades distintas. Sucessivas licenças médicas afastaram-no do serviço militar desde outubro de 2006. Atualmente, ele toma os medicamentos de tarja preta Flunarizina, Paroxetina, Rivotril, entre outros.
Segundo o Exército, desde o dia 15 de abril está sendo investigada suposta prática do crime de deserção pelo sargento De Araújo. No último dia 20, a Justiça Militar autorizou a prisão do acusado, mas ele não foi encontrado. Ao receber a informação de que De Araújo estava em um programa de televisão, a juíza Vera Lúcia da Silva Conceição pediu a captura. Segundo o Superior Tribunal Militar, o sargento agora passará por exames médicos. Se for considerado apto a continuar na carreira militar, será processado por deserção.
Ontem, com um quadro de confusão mental, agitação e agressividade, segundo atestado pelo médico psiquiatra Paulo Sampaio, que foi ao local representando o Conselho Regional de Medicina, o sargento estava preso em um quarto do Hospital do Exército de São Paulo, na região do Cambuci. Dez soldados armados de pistolas montavam guarda na porta do apartamento. O sargento Figueiredo acompanhava o preso, hospedado no mesmo apartamento -foi uma permissão especial dada pelo Exército.
Segundo Figueiredo, seu companheiro não tem condições de reassumir o posto. "Ele está muito doente", disse, os olhos vermelhos de choro.
Beto Sato, 28, da Associação Brasileira dos Gays e do Fórum Paulista de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros, considera que a ação do Exército na Rede TV! é uma "demonstração clara da homofobia que existe na instituição. Quantos desertores existem por aí? Muitos. E você já viu alguma ação desse quilate? Ser justamente contra um homossexual a mais exibida de todas as ações de captura de um desertor é uma prova da homofobia que existe no Exército."
Os sindicato dos jornalistas e dos artistas de São Paulo, e a Comissão dos Direitos da Pessoa Humana, Condepe, consideraram a ação de captura uma afronta à liberdade de manifestação e expressão. "É uma prisão dramática de uma pessoa doente, que nem sequer teve direito a um defensor público", disse o advogado Francisco Lucio França, do Condepe.
O coronel Moura, que chefiou a operação, disse à Folha que foi "convocado" para cumprir o mandado de busca e prisão na Rede TV!. Por quem? "Pelo Comandante Militar do Sudeste", disse o militar. "Pelo general...", perguntou a reportagem. "Pelo Comando", limitou-se a responder.
Segundo ele, não houve qualquer motivação homofóbica na prisão. "Ninguém separa ou discrimina ninguém no Exército por sua religião, orientação sexual ou raça. O sargento De Araújo não feriu o pundonor da instituição pelo fato de ser homossexual. Isso é dele. O que está em questão é a condição de desertor. Se não cumpríssemos o mandado de prisão, aí sim, poderíamos ser acusados de falta, no caso de incorrer em prevaricação", disse.
Na porta do hospital, poucos recrutas atreviam-se a comentar a prisão do sargento De Araújo. Um, entretanto, passou pela reportagem falando em voz alta, para ser notado: "Vê só o estrago que fazem umas bichinhas infiltradas."


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