São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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Sargento afirma ser vítima de perseguição dentro do Exército

O pretexto para as perseguições seria suas mais de oito faltas seguidas ao trabalho, o que caracteriza crime de deserção

No entanto, Laci Marinho de Araújo diz que o motivo é o fato de ele cantar em uma banda como cover da cantora Cássia Eller

ANGELA PINHO
JOHANNA NUBLAT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em textos e ações judiciais, o sargento Laci Marinho de Araújo diz ser vítima de perseguição por seus superiores hierárquicos no Exército.
O pretexto da suposta perseguição seriam suas faltas no trabalho, o hospital geral de Brasília. O verdadeiro motivo, segundo o sargento, seria o fato de ter atuado como cover da cantora Cássia Eller na banda Terceira Visão, em que usava o pseudônimo de Éron Anderson. "[De Araújo] teve o dissabor de se tornar prévia e progressivamente desafeto de superiores que não viam com bons olhos o fato de possuírem, na instituição, um sargento que também era artista e, o que é mais grave, que imitava uma cantora homossexual", diz artigo intitulado "Éron Anderson -Durante o Dia Militar, à Noite Cássia Eller Cover", enviado à Folha, antes da prisão, pelo também sargento Fernando Alcântara de Figueiredo.
Os dois mantêm um relacionamento amoroso estável desde 1997 e moram juntos em um apartamento funcional do Exército, em Brasília.
Segundo Alcântara de Figueiredo, a atuação de seu companheiro como cover de Cássia Eller cessou quando pioraram os sintomas clínicos. "Laci tem dificuldades para caminhar, alteração de equilíbrio, dificuldade de memorização, humor rebaixado, desesperança e ansiedade. Laci está doente."

Separação
Em janeiro do ano passado, o Exército decidiu transferir os dois sargentos de Brasília. Um iria para Osasco (SP); o outro, para São Leopoldo (RS).
Após uma representação formulada pela mãe de De Araújo, Francinete Marinho de Araújo, na qual ela dizia que o filho era vítima de perseguição de seus superiores, o Ministério Público Federal entrou com um pedido de liminar para impedir a transferência dos dois, o que foi aceito pela Justiça Federal.
No pedido, o procurador da República Wellington Divino Marques de Oliveira descreve uma gravação que teria sido realizada supostamente no gabinete do general Adhemar da Costa Machado Filho.
Na transcrição, é atribuída ao general a seguinte declaração: "Manda o marido dele [referência ao sargento Fernando Alcântara de Figueiredo] pro Rio Grande do Sul".
O general Adhemar nega a perseguição. "O problema dele não é por ser gay, é por ser desertor", disse ontem à Folha.
Segundo o juiz Roberto Luis Luchi Demo, que assina a decisão que impediu a transferência, a gravação "teria sido" realizada em dezembro de 2006; o pedido de transferência de Alcântara de Figueiredo, em abril de 2007. "Se existe homossexualismo, essa orientação sexual por si só não pode justificar qualquer sanção administrativa", diz o juiz.
Segundo o Ministério Público Militar, o sargento De Araújo faltou ao trabalho por mais de oito dias, o que caracterizaria crime de deserção. Ao MPF, o sargento se declarou doente, com "patologia neurológica ainda não identificada, provavelmente esclerose múltipla, o que o impede de exercer plenamente suas funções militares".
Por causa da suposta deserção, militares da Polícia do Exército foram, na semana passada, ao prédio onde os sargentos moram, com o objetivo de capturar De Araújo. Segundo funcionários do edifício, como o casal não se encontrava em casa, a porta foi arrombada.
No Setor Militar Urbano, local onde ambos trabalhavam, o caso dos sargentos era comentado por praticamente todos. Quem queria se calar sobre o assunto, apenas sorria quando perguntado.
"Eu trabalhava com ele. Ninguém aqui sabia, até ver a reportagem [da revista "Época']", disse um soldado que não quis se identificar.
Um sargento que se disse amigo de Figueiredo, e também preferiu não se identificar, afirmou que a perseguição existia, sim, e que ela ultrapassava a orientação sexual do casal. Segundo ele, superiores suspeitavam de que o sargento Alcântara de Figueiredo tivesse feito denúncias sobre irregularidades na corporação.


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