São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011

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Sou da Mooca, belo

O "mooquês", modo "cantado" de falar dos moradores do bairro da zona leste de SP, pode ser o primeiro bem imaterial da cidade

Carlos Cecconello/Folhapress
Nelson Carone, 67 (à esq.), e Antonino Mazzeo, 78, vizinhos há décadas na Mooca

ADRIANO BRITO
ANDRESSA TAFFAREL

DE SÃO PAULO

O "cantado" modo de falar da Mooca, bairro da zona leste de São Paulo, que inclui também expressões nacionalmente famosas como "orra meu" e "belo", pode se tornar o primeiro bem imaterial protegido da cidade.
Está no Conpresp (conselho municipal do patrimônio histórico) um pedido para transformar o "mooquês" em patrimônio de São Paulo. A ideia é registrar e preservar esse jeito peculiar de falar de parte dos paulistanos.
"Fico maravilhada com a ideia", afirma Crescenza Giannoccaro de Souza Neves, presidente da Associação Amo a Mooca. Ela faz, porém, uma ressalva sobre uma característica atribuída ao modo de falar dos moradores do bairro: a falta de "s" nos plurais.
"Os imigrantes, quando chegaram, tinham dificuldade de dizer os plurais, pois era diferente da língua deles. Nós, descendentes, também falamos cantado, mas usamos bem os plurais."

MISTURA DE LÍNGUAS?
No bairro, os moradores dizem que, diferentemente do que muitos pensam, o modo de falar não tem origem apenas em quem veio da Itália -maioria numa região da cidade cheia de cantinas.
"O jeito de falar na Mooca foi criado por todo mundo que veio viver aqui. Italianos, espanhóis, lituanos, nordestinos", diz Oreste Ferri, 81, ex-jogador da Portuguesa e, é claro, do Juventus, time que é uma paixão por ali.
No entanto, basta conversar com um imigrante vindo da Itália para perceber que o idioma italiano é a principal fonte do "mooquês".
Conversando, o brasileiro Nelson Carone, 67, e o italiano Antonino Mazzeo, 78, vizinhos há décadas, parecem irmãos.
Entre trechos de "O Sole Mio", tradicional canção italiana, entoada por Mazzeo -professor aposentado e ex-cantor de cantina que vive no Brasil desde os 18 anos-, os dois "irmãos" dão opiniões sobre a ideia de "tombar" o sotaque da Mooca.
"Fico muito feliz. O sotaque está sobrevivendo. Meu filho tem 32 anos e ama a Mooca, já colocou a camisa do Juventus no filho", diz Carone, embalando o carrinho de bebê, onde o neto dorme.
"Ele já está falando igualzinho, puxando o italianinho." Mazzeo, porém, é menos otimista. "Acho difícil nosso modo de falar sobreviver ao tempo. Já está se perdendo."

EFEITO PRÁTICO
Mauro Dunder, mestre e doutorando em letras pela USP que estudou o vocabulário da região da Mooca, afirma que não há como uma língua, ou simplesmente o modo de falar, ser preservado. "A língua é um organismo vivo, que se manifesta de maneira espontânea e se perpetua ou não de acordo com uma série de fatores externos, como o crescimento do bairro, por exemplo."
Já a antropóloga Fernanda Marcon, doutoranda pela UFSC (Federal de Santa Catarina), diz que registrar como bem um modo de falar ajuda a mantê-lo vivo, nem que seja como memória.
"É importante para efeito de documento histórico. Para que façam gravações, incentivem manifestações culturais", afirma.

RECONHECIMENTO
Segundo a Secretaria Municipal da Cultura, por meio de sua assessoria, não há previsão para que o pedido para tornar o sotaque patrimônio da cidade, feito pelo vereador Juscelino Gadelha (PSDB) em 2009, seja incluído na pauta do Conpresp.
Segundo a Folha apurou, o problema é que a equipe responsável pela análise dos pedidos de proteção ao patrimônio é formada principalmente por arquitetos.
Com isso, faltam profissionais como antropólogos, sociólogos e linguistas para que propostas sobre bens imateriais passem adiante.
Questionada, a pasta confirmou que o corpo técnico do DPH (Departamento do Patrimônio Histórico), órgão de assessoramento do conselho, "é formado, em sua maioria, por arquitetos".
Com ou sem o reconhecimento, os "mooquenses" dizem que o amor ao bairro não muda. "Quem mora na Mooca diz que é da Mooca e "è finito" [é o fim]", diz Carone.

FOLHA.com
Veja vídeo sobre o sotaque da Mooca
folha.com.br/ct925287


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