São Paulo, sábado, 05 de julho de 2008

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Mutirão de anônimos pagou, diz delegado

Nazareth Kechichian Neto admite que não há nenhum documento sobre a reforma do prédio da delegacia fazendária da capital

Policiais dizem que obra foi bancada por um grupo empresarial investigado para ter a sua situação facilitada; delegado nega


ROGÉRIO PAGNAN
ANDRÉ CARAMANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O prédio da delegacia fazendária da capital, órgão da Polícia Civil de São Paulo, foi reformado clandestinamente. Não há registro oficial da obra, feita em 2007, dos seus custos e da origem dos recursos aplicados.
A delegacia é responsável pela apuração dos crimes de sonegação fiscal praticados contra o Estado. Alguns dos maiores grupos empresariais do país são investigados ali -só os casos abertos a partir de 2007 envolvem mais de R$ 2 bilhões.
O delegado titular da fazendária, Nazareth Kechichian Neto, admite que não há nenhum documento sobre a reforma, mas diz que as cúpulas da Polícia Civil e da Secretaria da Segurança Pública da gestão José Serra (PSDB) sabiam dela.
Questionado sobre quanto custou a reforma, responde, simplesmente: "Não quero nem saber". Segundo ele, um "mutirão de anônimos" pagou as obras. Alguém sob investigação? "Não posso falar sim, nem não... Não vi nada", afirma ele.
E completa: "Não é que eu não posso falar. Ponha-se no meu lugar, meu querido. O que vou falar a respeito disso? Peguei o bonde andando".
A obra, de acordo com o delegado, foi iniciada em março ou abril de 2007 e terminou em 29 de outubro. Kechichian Neto diz que as "articulações" e o início da reforma são da responsabilidade do antecessor Darci Sassi, que dirigiu a unidade entre janeiro e agosto de 2007.
Sassi, por sua vez, hoje policial do Decap (Departamento de Polícia Judiciária da Capital), nega participação nessa empreitada. "Nem sei se foi reformada", afirmou. "Alguma coisa errada tem porque estão culpando o mordomo. Então, o negócio é investigar", disse.
Pela Constituição Federal e a do Estado de São Paulo, o agente público é obrigado a publicar seus atos no "Diário Oficial", sob o risco de sanções previstas no crime de improbidade administrativa, como a perda do cargo e pagamento de multas. As doações, segundo o decreto nº 25.644, de 7 de agosto de 1986 (ainda em vigor), também devem ser publicadas no "Diário Oficial" pela Secretaria da Segurança Pública do Estado, por menor que seja o valor do bem.
Policiais que pedem anonimato dizem que a reforma, que seria na avaliação deles de mais de R$ 500 mil, foi bancada por um grupo empresarial investigado pela polícia com o intuito de ter sua situação facilitada. A Folha não tem até o momento conhecimento de nenhuma prova sobre esse fato.
O delegado nega que isso tenha ocorrido e afirma que o Ministério Público imprime uma fiscalização rigorosa.

Conseg
O único documento que a polícia apresenta sobre a reforma é uma relação de material de construção publicado no "Diário Oficial" do Estado em 18 de janeiro de 2008 -a reforma acabou em 29 de outubro de 2007. A lista é uma doação de quase R$ 40 mil e tem apenas parte do material necessário para uma obra como aquela.
Além de ter sido publicado no "Diário Oficial" após a conclusão da reforma, o material é doado pelo Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) da Saúde/Vila Clementino.
O próprio vice-presidente do Conseg, o advogado Danilo Maso, admite que o conselho não pode fazer doações. "O Conseg não tem nem CNPJ", afirmou. "O Conseg só faz o contato e pede aos empresários."
Maso disse ter arrecadado parte do material a pedido do delegado Sassi (o delegado nega). Disse não saber se todas as empresas apresentaram notas fiscais e se entre elas está alguma investigada pela fazendária. "Eu acho que a grande maioria [apresentou notas]. Não posso colocar isso com certeza, mas vai direto para eles [da Segurança]", afirmou.
A delegacia fazendária existe justamente para que as notas fiscais emitidas pelas empresas sejam a expressão da verdade. Nem a Segurança Pública nem a Delegacia Geral da Polícia Civil apresentaram uma só nota à Folha sobre a reforma.


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