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TRAGÉDIA EM CONGONHAS/CAUSAS - ENTREVISTA PETER LADKIN E KENNETH FUNK 2º
Acidentes não têm causa única, dizem especialistas
Peter Ladkin refuta a hipótese de que a posição errada do manete pode ter provocado algum erro nos comandos automatizados
DA REPORTAGEM LOCAL
Os investigadores de causas
de desastres aéreos Peter Ladkin e Kenneth Funk 2º são unânimes em afirmar que não existe acidente de uma causa só.
Ladkin, porém, é incisivo sobre o eventual erro cometido
pelos pilotos ao não colocarem
o manete na posição de ponto
morto: "Reduzir o manete para
o ponto morto é um conhecimento básico para qualquer
pessoa de aviação -e isso não é
só com o Airbus ou o Boeing,
mas até mesmo com um Cessna de dois ou quatro lugares".
Especialista em acidentes
que tenham alguma relação
com o sistema de computação
da aeronave, Ladkin refuta a hipótese de que a posição errada
do manete pode ter provocado
algum erro nos comandos automatizados. "O sistema faz o
que o piloto determina", diz.
Leia a entrevista com os pesquisadores, feita por e-mail e
telefone, entre quinta e anteontem.
(MARIO CESAR CARVALHO)
FOLHA - De acordo com dados da
caixa-preta do Airbus acidentado,
um dos manetes do avião estava na
posição errada quando ele pousou,
aumentando a velocidade em vez
de reduzi-la. É possível dizer que o
acidente ocorreu por uma falha do
comandante?
KENNETH FUNK - É possível, sim.
O National Transportation Safety Board dos EUA (Comitê
Nacional de Segurança em
Transporte) atribui de 60% a
70% dos acidentes com aviões
parcialmente a erros da equipe.
Entretanto, nenhum acidente
resulta de uma só causa. Pilotos
são humanos e humanos cometem erros o tempo todo. Equipamentos bem projetados e sistemas de alerta ao piloto mitigam e compensam a grande
maioria dos erros que ocorrem.
Mas, às vezes, uma confluência
de eventos e condições, como
mau tempo, pista molhada,
condições do equipamento,
manutenção inadequada e falhas de projeto podem contribuir para o desastre. Meu palpite é que, com esse acidente, não
foi diferente. Provavelmente,
uma série de fatores contribuiu
para o acidente.
PETER LADKIN - O manual de operações é muito claro de que os
dois manetes devem estar na
posição de ponto morto quando o avião está prestes a tocar o
solo. O manual é muito claro
também de que os spoilers não
serão acionados a não ser que
os dois manetes estejam na posição de ponto morto.
Reduzir o manete para o
ponto morto é um conhecimento básico para qualquer
pessoa de aviação -e isso não é
só com o Airbus ou o Boeing,
mas até mesmo com um Cessna de dois ou quatro lugares.
FOLHA - O sr. tem notícias de algum acidente com o A320 em que
um manete estava na posição errada quando ele posou?
LADKIN - Há um acidente com a
família de aviões Airbus-A320
no qual o manete não foi reduzido para ponto morto. Esse
acidente ocorreu com um
Transasia Airways A320 no aeroporto de Taipei (Taiwan), em
outubro de 2004. Ninguém se
feriu e a aeronave foi reparada
e, acredito, ainda está voando.
O piloto estava aterrissando
e deixou o manete num ângulo
de 22,5 graus, o que estava fora
do ponto morto. Os spoilers
não se armam nessa situação.
Eles são superfícies na asa que
se armam durante a frenagem
para que o avião receba o máximo de peso nas rodas e pare.
Há uma pergunta óbvia: por
que o piloto não reduziu os dois
manetes na aterrissagem no caso da Transasia? Infelizmente,
na minha opinião, essa pergunta não foi respondida adequadamente na investigação, que
foi bastante ampla.
FUNK - Não.
FOLHA - A posição errada do manete pode ter como origem um problema no sistema de computação do
avião?
FUNK - Não conheço o suficiente o avião para responder.
LADKIN - Pelo que eu conheço,
nunca foi registrado um incidente no qual o sistema de
computação tenha registrado
uma posição errada do manete.
FOLHA - O sr. acha plausível a hipótese de que a posição incorreta do
manete enganou o sistema de computação? O computador pode ter interpretado que o piloto tentava arremeter e desarmou os spoilers?
LADKIN - No A320, se um manete não for colocado em ponto
morto no momento em que o
avião toca o solo, o sistema de
autopropulsão desliga-se automaticamente e as turbinas vão
fazer o que foi indicado pelo
manete. Os spoilers não vão se
armar. Isso está claríssimo no
manual de operações.
Não há como "enganar" o sistema de computação nesse caso. O sistema faz o que o piloto
havia determinado. Se o piloto
não colocou o manete no ponto
morto ao aterrissar, ele (ou ela)
não terá isso.
FUNK - Eu ouvi falar, apesar de
ninguém confirmar, que o
A320 tinha uma característica
como essa. A informação surgiu
durante a investigação do acidente do vôo 965 da American
Airlines perto de Cali, na Colômbia, em dezembro de 1995.
Ali, a equipe iniciou uma rápida
descida com os spoilers acionados, mas o avião ficou desorientado e embicou na direção de
uma área montanhosa. Quando
a equipe percebeu isso, ela acionou a potência total para subir,
mas esqueceu de recolher os
spoilers. Os pilotos não conseguiram escapar das montanhas
e o impacto destruiu o avião e
matou 163 passageiros e tripulantes. O que foi dito após esse
acidente é que, se fosse um
A320, a potência total faria com
que os spoilers fossem recolhidos e eles poderiam ter escapado das montanhas.
FOLHA - A gravação das vozes dos
pilotos mostra que eles tinham
consciência de que só um reversor
funcionava. É possível imaginar que
o reversor pode ter alguma influência na tragédia?
FUNK - Sim, é possível imaginar esse cenário. Para mim, parece que o impulso assimétrico
do reversor provocou uma guinada no avião que seria difícil,
mas não impossível, de corrigir.
LADKIN - Os pilotos foram alertados de que somente um reversor estava funcionando assim que eles pegaram o avião
naquele dia de manhã. E eles fizeram uma aterrissagem em
Porto Alegre com o avião. O reverso foi desabilitado pelo pessoal de manutenção dias antes
e esse fato era conhecido pelos
pilotos. Toda essa situação não
é incomum; é rotina.
O reversor não é essencial
para frear um avião na aterrissagem. As tabelas de frenagem
dos manuais dos aviões são calculadas sem levar em conta o
reversor. Em condições normais, o reversor responde por
10% do freio, ele só é importante quando há ventos fortes. O
poder de freagem está no freio
de rodas -90% numa pista seca
e com aderência.
E há os spoilers. Eles "transferem" a maior parte do peso
das asas, garantindo que as rodas recebam o peso suficiente
para que o freio funcione. Você
precisa ter certeza de que os
spoilers estão ativados.
FOLHA - Por que uma série de investigações de acidentes começa
atribuindo a culpa ao piloto e, três
ou quatro anos depois, surgem evidências de que os computadores podem ter influenciado no desastre?
FUNK - As pessoas gostam de
explicações simples. O piloto
de um avião acidentado freqüentemente morre no desastre e às vezes não há ninguém
para defendê-lo. Também é
bastante óbvio que o piloto fez
a última ação que resultou no
acidente. A "satisfação" desse
tipo de descoberta refreia a
busca de outros fatores que
contribuíram para a ação. Esses
fatores só se tornam aparentes
com o tempo, após pesquisas
profundas e persistentes.
LADKIN - Após um acidente em
Varsóvia com um A320, em
1993, foram modificados o sistema de freios e os spoilers, de
forma que esse tipo de incidente nunca mais aconteceu.
Em Varsóvia não havia área
de escape e o avião incendiou-se -só duas pessoas morreram.
Se há alguma coisa para o avião
bater no final da pista, é óbvio
que isso vai acabar em tragédia.
Por essa razão, onde for possível, os principais aeroportos
devem ter áreas de escape com
materiais projetados com sistemas de agarre ou concreto rugoso. Infelizmente, em muitos
aeroportos de grandes cidades,
como o de Congonhas, isso não
é possível porque há prédios e
ruas em volta do aeroporto.
Mas se esses obstáculos estão
lá, e as operações continuarem
como são hoje, alguém vai bater
nesses obstáculos alguma hora.
Os aviões vão continuar a sair
da pista por várias razões, como
acontece todo ano ao redor do
mundo. Isso aconteceu em Toronto, em Chicago, em Burbank [Califórnia]. A pergunta
óbvia é: o que vocês vão fazer?
Culpar os suspeitos de sempre
-equipe, sistemas computadorizados, controle do tráfico aéreo- não muda a situação.
FOLHA - O sistema de automação
do A320 é seguro?
LADKIN - Suponha que "seguro"
signifique que não houve passageiros ou tripulantes feridos.
A família A320 sofreu apenas
sete acidentes nos quais passageiros ou tripulantes saíram feridos em 19 anos. Foram cerca
de 50 milhões de vôos. Acho
que cerca de 49.999.989 vôos
seguros num total de 50 milhões é uma boa marca.
FUNK - Segundo a publicação
da Boeing chamada "Summary
of Commercial Jet Airplane
Accidents, Worldwide Operations 1959-2005", a família
A320 (A319/320/321), que tem
basicamente o mesmo sistema
de controle aéreo, tem uma taxa de 0,57 acidentes graves por
1 milhão de decolagens. A média mundial é de 1,68 acidentes
graves por 1 milhão de decolagens, o que dá ao A320 um histórico de boa segurança. Há o
problema do aeroporto. Como
aviões saem da pista com uma
certa freqüência, acidentes como o que ocorreu em São Paulo
podem acontecer novamente,
mesmo que mudanças sejam
feitas na pista. Acho que o sistema de aviação não estará livre
de riscos durante minha vida.
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