São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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Inquérito diz que milícia matou 200 no Rio

Sargento e quatro cabos da PM são apontados como mandantes de grupo que assassinou e expulsou traficantes de favelas

Levados sob sigilo até a corregedoria, moradores da favela reconheceram, através de fotografias, os cinco PMs acusados

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Um sargento e quatro cabos da Polícia Militar são apontados em inquérito da Draco (Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado, da Polícia Civil) como os principais comandantes de uma milícia que, desde novembro do ano passado, já causou cerca de 200 mortes em muitas das favelas da zona norte do Rio.
O inquérito vem se desenvolvendo em sigilo, porque líderes comunitários dessas favelas cariocas dominadas pelo grupo estão sob ameaça de mortes. Com medo de serem assassinados, todos eles tiveram de deixar suas casas nas comunidades. Vivem, agora, nas casas de alguns parentes ou também protegidos por entidades de defesa dos direitos humanos.
A milícia comandada pelos cinco policiais militares atacou a favela Kelson's, que fica no bairro da Penha (zona norte), na madrugada do dia 5 de novembro. Os traficantes vinculados ao CV (Comando Vermelho) ou foram mortos ou fugiram para a Vila Cruzeiro, também na Penha e controlada pela mesma facção criminosa.
Com a favela dominada, os integrantes da milícia passaram a cobrar taxa de proteção. São R$ 10 dos moradores e outros R$ 20 dos comerciantes, para impedir que os traficantes voltem a ocupar a área. Os milicianos assumiram também a venda de gás e a exploração das ligações clandestinas de TV a cabo, apelidada de "gatonet" nas favelas cariocas.

Líderes comunitários
Em dezembro do ano passado, sob a acusação de colaborar com o tráfico na região, eles expulsaram a presidente da associação de moradores, Iraci Moreira da Silva, da favela Kelson's. Melhor sorte não teve seu sucessor na presidência da entidade, o comerciante Jorge Neto. Em abril deste ano, ele foi ameaçado de morte e teve de deixar a comunidade.
Além do inquérito na Draco, os cinco líderes da milícia também são alvo de investigação reservada da Corregedoria Geral Unificada da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Levados sob sigilo até a corregedoria, moradores da favela reconheceram, através de fotografias, os cinco PMs apontados como os chefes das milícias.
São eles um cabo do 22º BPM (Batalhão de Polícia Militar), no complexo da Maré (zona norte); outros três cabos e até mesmo um sargento do 16º BPM, em Olaria (zona norte). Eles não foram afastados do serviço até agora, mas estão sendo mantidos sob vigilância. Os nomes não são divulgados pelos investigadores.

Expansão
Desde que assumiu a Kelson's, a milícia adotou uma política tida como expansionista por outros policiais militares que formaram grupos semelhantes para tomar as favelas dos traficantes de drogas. Dois dos cabos, em dezembro passado, chegaram a ser atingidos em tiroteios contra criminosos que estariam rondando o local para planejar um ataque. Mesmo tendo sido baleados, os dois sobreviveram ao confronto.
Em fevereiro, os mesmos milicianos invadiram a favela Cidade Alta, em Cordovil (zona norte). Como feito na Kelson's, eles expulsaram e mataram traficantes e se estabeleceram, cobrando taxas de segurança, de gás e, claro, do "gatonet".
As 200 mortes contabilizadas são de traficantes mortos a sangue-frio pela milícia ou em confrontos, quando das tentativas de recuperação dos pontos de venda de drogas das favelas. Também estão na lista, os moradores da comunidade que não aceitaram a invasão e ação dos milicianos.
A expansão das milícias é um fenômeno relativamente novo nos subúrbios e favelas cariocas. Originalmente, elas surgiram na zona oeste, no final da década de 70. Moradores formavam grupos que impediam o controle das comunidades por quadrilhas do tráfico de drogas.
Há cerca de dois anos, as milícias, já formadas por policiais, passaram a se espalhar pela zona norte, especialmente em favelas de menor porte, por serem mais fáceis de serem controladas rapidamente.
No caso da milícia da Kelson's, os cinco policiais montaram uma tropa com moradores simpatizantes, traficantes chamados de "arrependidos" e também ex-assaltantes radicados na comunidade. Trouxeram também soldados novatos da PM, para integrar a equipe que atua na favela.


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