São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2008

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Sem vagas, diálise é feita de madrugada

Faltam de 3.500 a 4.000 vagas por ano para tratamento de hemodiálise, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia

Quase 80 mil pacientes renais crônicos dependem do tratamento no país; muitos conseguem receber apenas uma sessão semanal

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Pacientes internados em hospitais sem necessidade ou fazendo diálise nas madrugadas por falta de vaga, outros se deslocando até 500 km por dia para obter o tratamento e muitos esperando de dois a três meses para ter acesso à terapia.
Esse é o retrato do serviço de hemodiálise no país, onde são atendidos quase 80 mil pacientes renais crônicos. Ao menos 10 milhões de brasileiros -a maioria diabéticos e hipertensos- têm algum grau de disfunção renal, afirma a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).
Os doentes renais dependem de hemodiálise -máquina que substitui a função renal- para sobreviver enquanto aguardam um transplante de rim. Em geral, precisam fazer três sessões por semana, mas, diante da crise do setor, muitos estão recebendo apenas uma.
Segundo a SBN, há um déficit de 3.500 a 4.000 vagas por ano nos serviços de hemodiálise. O setor reclama da falta de abertura de vagas pelo SUS e de atrasos nos pagamentos.
Hospitais como o HC (Hospital das Clínicas) de São Paulo, o hospital São Paulo e o hospital Santa Marcelina, todos da capital paulista, estão "dialisando" doentes nas madrugadas por falta de vagas em outros horários. Muitos pacientes também só fazem hemodiálise uma vez por semana, quando o ideal seriam três.

Internação desnecessária
Nesses hospitais, há pacientes internados sem necessidade. Eles poderiam estar em casa e ir a uma clínica apenas para fazer as sessões de hemodiálise, mas, na falta de vagas, ficam internados à espera de "encaixes". No Santa Marcelina (zona leste), por exemplo, dez pacientes estão nessa situação.
"Eles fazem sessões [de hemodiálise] quando há uma vaga, às vezes de madrugada, e menos vezes do que deveriam", afirma o médico Rui Barata, chefe do setor de nefrologia do hospital Santa Marcelina.
Segundo ele, mesmo quando conseguem vaga em uma clínica fora do hospital, muitos pacientes retornam à instituição. "O indivíduo mora em São Mateus (zona leste) e consegue vaga no Jardim Paulista (zona oeste). Tem que tomar várias conduções para chegar. Desiste e volta para o hospital."
No interior de São Paulo, a situação é ainda pior. Há pacientes de Itararé, por exemplo, que viajam 488 km (ida e volta), três vezes por semana, para fazer sessões de diálise em Sorocaba, por falta de vagas na região.
"Os médicos não têm para onde mandar os doentes. Como o renal crônico precisa de diálise para sobreviver, ou morre sem tratamento ou é atendido precariamente na emergência dos hospitais, fazendo menos tempo de diálise do que seria necessário", diz Jocemir Lugon, presidente da SBN.
A médica Altair Lima, da sociedade paulista de nefrologia, prepara um relatório sobre a crise no setor, onde incluirá nomes de doentes renais que morreram por conta da má assistência. O dossiê será entregue ao Ministério Público.
Lima defende que o país invista em programas de prevenção à doença renal. "Os grupos de risco, como os diabéticos e os hipertensos, não são alertados para isso. Na fase inicial da doença, há tratamento e chance de cura. Não precisa ir para diálise ou para transplante."
"Hoje, o paciente com pequena alteração da função renal não consegue tratamento ou, se consegue, é aquém do que precisa. Por isso, seu quadro acaba se agravando", reforça Lugon.


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