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Vida em looping
A vida da menina L., que ganhou notoriedade ao ficar presa numa cela com homens , ficou marcada por fugas, pequenos furtos e episódios de prostituição para bancar o vício em crack
ELIANE TRINDADE
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Os dreadlocks no cabelo
são só uma nova etapa na vida de L., 18. Foi assim que a
garota, que ganhou notoriedade ao ficar presa 26 dias
numa cela com 26 homens no
Pará, deixou a comunidade
terapêutica em que cumpriu
18 meses de medida socioeducativa, a 35 km de Brasília.
A maioridade é mais um
início numa trajetória vivida
em looping constante, plena
de manobras e acrobacias
-quase sempre na vertical.
A última vez que ela havia
deixado os muros e as cercas
eletrificadas para trás foi numa fuga no final de 2009.
Uma entre tantas escapadas
da garota que, há três anos,
está no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte
(PPCAAM), da Secretaria de
Direitos Humanos, da Presidência da República.
Apesar do sigilo que cerca
o programa por questões de
segurança, a Folha comprovou que ao longo dos últimos
dois anos e meio, a trajetória
de L. ficou marcada por fugas, pequenos furtos e episódios de prostituição para
bancar o vício em crack.
Sempre que escapava, L.
vagava pelas cidades-satélites em busca da droga. Assim
foi parar numa maloca na
cracolândia da Ceilândia.
Na tarde de terça, a "tia"
que controla a área, conhecida como Castelinho, baixou
a guarda ao ouvir o nome de
L. Ela não sabe precisar a data, mas se recorda de que o
primeiro contato com a menina "mirradinha e bonitinha" foi no final de 2008.
"Aquela ratazana era
maior que as outras", conta
ela sobre sua reação diante
da garota que se escondia em
um dos becos pichados. O espaço de uns cinco metros
quadrados, com paredes arrebentadas e lixo espalhado,
fica em uma das extremidades da obra abandonada.
Não demorou muito para
"noias" e traficantes descobrirem que a desconhecida
era a "garota do Pará, aquela
que apareceu na televisão".
Era assim que L., contrariando todas as regras do esquema de proteção, apresentava-se à galera do crack.
"É por isso que levaram ela
para a clínica. Querem ela
bem caladinha", diz a "tia".
Refere-se à Mansão Vida,
clínica de reabilitação de luxo em Santo Antônio do Descoberto, a 35 km de Brasília.
A diária varia de R$ 150 a
R$ 300. L. fugiu pelo menos
três vezes da clínica com piscina, sauna, salão de jogos e
cinco refeições por dia.
Tomava oito remédios por
dia. Mais simples, a comunidade terapêutica, a 10 km da
clínica, é confortável, mas
sem luxos. Ali, dividia o alojamento com outras 11 dependentes químicas. Não estava só em tratamento, mas
cumprindo pena por furto.
Em fevereiro de 2009, a sequência de fugas de L. foi interrompida, quando, então
com 17 anos, foi presa na cidade-satélite do Guará. Com
uma faca, tentou furtar uma
jovem, mas acabou presa.
Por determinação da Justiça, L. foi mandada para o Caje (Centro de Atendimento
Juvenil Especializado), a unidade de internação para menores infratores do DF.
De lá, foi levada para a comunidade terapêutica.
Ao completar a maioridade em 10 de dezembro de
2009, o destino de L. voltou a
ser debatido pelas autoridades. Deve trocar o PPCAAM,
pelo similar para adultos, o
Provita. Um novo recomeço.
Quando chegou ao Distrito
Federal, ela já era uma dor de
cabeça para as autoridades.
Ela foi recusada por vários
Estados. A fama de que ela
havia "tocado o terror" no
Rio se espalhou, segundo um
profissional que acompanhou a vinda dela para o DF.
A primeira estratégia foi a
mãe. Não funcionou.
Na saga para definir quem
iria ficar com ela, técnicos do
governo descobriram que o
homem que a registrara como filha não era o pai biológico. Feito um exame de
DNA, o pai verdadeiro foi
aceito no programa, e L. passou a viver com ele e a madrasta em uma chácara.
A menina novamente não
se adaptou à vida familiar.
Cresceu sem pai nem mãe e
não gostava do mato. "Gastaram muito tempo e dinheiro
com ela, mas L. não sabe o
que fará da vida. Nesses três
anos, o que foi construído?",
indaga uma amiga dela.
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