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São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003

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TORTURA

Com base no parecer do IML, secretário diz que é impossível que comerciante chinês tenha se autolesionado, como alegam agentes

Preso morre após suposto espancamento

FABIANA CIMIERI
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O chinês naturalizado brasileiro Chan Kim Chang, 46, morreu ontem em consequência de suposto espancamento que teria sofrido no presídio estadual Ary Franco. Laudo do Instituto Médico Legal, divulgado ontem pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos do Rio, indica que o prisioneiro foi espancado. Chang morreu às 20h40, após passar oito dias hospitalizado, em coma, com traumatismo craniano.
Para o secretário estadual de Direitos Humanos do Rio, João Luiz Duboc Pinaud, é impossível que Chang tenha se autolesionado a ponto de entrar em coma, conforme a versão de agentes penitenciários -a de que ele teve um "surto psicótico" e bateu com a própria cabeça num arquivo de metal de uma sala do presídio.
Chang deu entrada no hospital Salgado Filho, na quarta-feira da semana passada. Dois dias antes, havia sido preso pela PF no aeroporto Tom Jobim, ao tentar embarcar com US$ 30 mil sem declará-los à Receita.
O laudo, assinado pelos peritos Miguel Ângelo Ribeiro e Mônica Martins Vasconcellos, aponta lesões no corpo todo, menos no tórax e no abdômen. Fotos feitas pela equipe da Secretaria Estadual de Direitos Humanos também mostra hematomas no corpo, exceto no tórax e no abdômen.
Para Pinaud, o exame das lesões indica que Chang ficou em posição fetal (com os joelhos dobrados em direção ao peito) quando apanhou. Isso, em sua opinião, é uma posição de defesa. "Chang é um exemplo de um ser humano cruelmente transformado em coisa, porque nem com um animal se pode fazer isso", disse Pinaud.
O exame foi solicitado na última segunda-feira pelo procurador da República no Rio Rogério Nascimento, depois que o caso foi levado ao Ministério Público Federal. O procurador pediu à PF a lista dos policiais que fizeram a escolta do comerciante até a prisão.
Pinaud mostrou fotos de Chang tiradas por um agente penitenciário. Com uma mancha de sangue na blusa, ele aparece de pé, na sala de triagem do Ary Franco, de olhos fechados e apoiado nas grades. "Ele apresentava um traumatismo grave. Não se deve nem mexer, quanto mais pôr de pé uma pessoa assim", disse.
O secretário criticou a prisão do comerciante pela PF. "Ele poderia ter declarado o dinheiro ali e depois responder a processo. A prisão foi um ato arbitrário", disse.
O advogado Michel Assef, que defende quatro agentes penitenciários, disse ter como testemunha um policial militar que viu Chang chegar ao presídio com os pés amarrados. Assef quer provar a versão de que o comerciante teria chegado ferido ao presídio.
Seus clientes são os agentes Carlos Luís Correia, Carlos Alberto Souza Rodrigues, Ricardo Vagner Alves e Ricardo Pires Valério, os mesmos que, anteontem, estiveram no IML à procura de informações. Para Pinaud, eles estiveram lá para pedir o endereço dos responsáveis pelo laudo do chinês. O secretário não descartou a possibilidade de os agentes quererem intimidar os médicos.
Assef disse que foram à procura de alguém que pudesse testemunhar a favor deles, dizendo que Chang também "surtara" no IML.


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