São Paulo, segunda-feira, 05 de setembro de 2005

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CUIDADOS PALIATIVOS

Inca 4, no Rio, é a única instituição hospitalar brasileira voltada exclusivamente para casos incuráveis

Pacientes buscam "boa morte" em hospital

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

O câncer da mama que a faxineira Regina Célia Borges, 48, descobriu ter há três anos já afetou sua coluna, sua bacia e lhe tirou o movimento das pernas. Nem assim ela perde a esperança. "Não posso desistir da vida. Sou forte, vou lutar até o final", diz.
Regina está internada no Hospital do Câncer 4, em Vila Isabel, na zona norte do Rio. Conhecido como Inca 4, por ser uma unidade do Instituto Nacional do Câncer, é o único hospital brasileiro voltado especificamente para cuidados paliativos, aplicados em casos em que a cura não é mais possível.
Há outros serviços no país que oferecem esse tipo de cuidado na casa do paciente, em alas especiais dentro de um hospital geral ou em imóveis alugados próximos à instituição hospitalar.
"Nosso trabalho é bem feito se não há dor e não há sofrimento do paciente", diz a diretora do hospital, Claudia Naylor, 36. Segundo ela, são usados "de analgésicos simples até morfina", mas não há cirurgias para tirar tumores.
Nascido na Inglaterra em 1967, o modelo reúne dois conceitos fundamentais: "boa morte" (sem sofrimento) e "dor total", significando que as dores emocionais devem ser tão tratadas quanto as físicas. O trabalho não se restringe ao hospital, já que o objetivo é deixar o paciente internado durante o menor tempo possível -a média é de oito dias.
"Temos um projeto chamado "Família como unidade de cuidado", em que orientamos os parentes sobre como cuidar em casa", diz Naylor, admitindo que há casos em que os doentes não têm com quem contar. "Aí nós tomamos conta", afirma.
As famílias recebem remédios de graça e os pacientes em condições vão ao ambulatório para consultas a cada 15 dias. O Inca 4 tem 56 leitos e atende a cerca de 1.100 pessoas de 18 anos ou mais -as crianças ficam no Inca 1.
A ida dos doentes para casa tem um assumido motivo econômico: não ocupar leitos públicos com pacientes incuráveis. Mas o que, dito assim, parece até desumano é, para os defensores dos cuidados paliativos, fator de humanização: permite a um doente grave viver na sua casa, perto de sua família e seus amigos.
"Eu quero ir para casa. Prefiro me tratar lá", endossava, na última quinta-feira, a auxiliar de escrita fiscal Maria de Lourdes de Souza, 52. Entre dentes, ela misturava raiva e arrependimento ao falar sobre o que provocou o câncer nos dois pulmões: "Cigarro. Há 32 anos fumando..."
O encarregado de obras Antônio Ferreira dos Santos, 51, também queria ir para casa, mas encontrava resistência na própria companheira, Maria José da Silva, 56. "Para mim, é muito difícil cuidar dele", explicou. Vítima de um câncer na próstata, Santos já passou por quatro cirurgias e está sem movimento nas pernas.
"Há pessoas que, percebendo o momento, pedem para morrer em casa. Quando a morte acontece, damos toda a assistência", diz Naylor. Segundo ela, 60% dos pacientes morrem no hospital.
Nem todos os que entram no Inca 4, encaminhados por outras unidades do instituto, sabem que não poderão mais ser curados. Cabe aos médicos dizer a verdade possível. "Nós respondemos o que eles querem saber. Nossa experiência diz que a maioria não quer saber muito."
Muitos não gostariam de saber que a sobrevida estimada dos pacientes do hospital é de até seis meses. Por outro lado, receberiam um alento se ouvissem histórias de pessoas que já ultrapassaram em muito essa marca. É o caso de José Carlos Carneiro, 64, que está sob os cuidados do Inca 4 desde 30 de dezembro de 2002, vítima de câncer da próstata.
"Hoje, quando entro no ambulatório, perguntam se eu sou paciente ou acompanhante, porque estou muito bem", diz.


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