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CUIDADOS PALIATIVOS
Inca 4, no Rio, é a única instituição hospitalar brasileira voltada exclusivamente para casos incuráveis
Pacientes buscam "boa morte" em hospital
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
O câncer da mama que a faxineira Regina Célia Borges, 48, descobriu ter há três anos já afetou
sua coluna, sua bacia e lhe tirou o
movimento das pernas. Nem assim ela perde a esperança. "Não
posso desistir da vida. Sou forte,
vou lutar até o final", diz.
Regina está internada no Hospital do Câncer 4, em Vila Isabel, na
zona norte do Rio. Conhecido como Inca 4, por ser uma unidade
do Instituto Nacional do Câncer, é
o único hospital brasileiro voltado
especificamente para cuidados
paliativos, aplicados em casos em
que a cura não é mais possível.
Há outros serviços no país que
oferecem esse tipo de cuidado na
casa do paciente, em alas especiais
dentro de um hospital geral ou
em imóveis alugados próximos à
instituição hospitalar.
"Nosso trabalho é bem feito se
não há dor e não há sofrimento do
paciente", diz a diretora do hospital, Claudia Naylor, 36. Segundo
ela, são usados "de analgésicos
simples até morfina", mas não há
cirurgias para tirar tumores.
Nascido na Inglaterra em 1967,
o modelo reúne dois conceitos
fundamentais: "boa morte" (sem
sofrimento) e "dor total", significando que as dores emocionais
devem ser tão tratadas quanto as
físicas. O trabalho não se restringe
ao hospital, já que o objetivo é deixar o paciente internado durante
o menor tempo possível -a média é de oito dias.
"Temos um projeto chamado
"Família como unidade de cuidado", em que orientamos os parentes sobre como cuidar em casa",
diz Naylor, admitindo que há casos em que os doentes não têm
com quem contar. "Aí nós tomamos conta", afirma.
As famílias recebem remédios
de graça e os pacientes em condições vão ao ambulatório para
consultas a cada 15 dias. O Inca 4
tem 56 leitos e atende a cerca de
1.100 pessoas de 18 anos ou mais
-as crianças ficam no Inca 1.
A ida dos doentes para casa tem
um assumido motivo econômico:
não ocupar leitos públicos com
pacientes incuráveis. Mas o que,
dito assim, parece até desumano
é, para os defensores dos cuidados paliativos, fator de humanização: permite a um doente grave
viver na sua casa, perto de sua família e seus amigos.
"Eu quero ir para casa. Prefiro
me tratar lá", endossava, na última quinta-feira, a auxiliar de escrita fiscal Maria de Lourdes de
Souza, 52. Entre dentes, ela misturava raiva e arrependimento ao
falar sobre o que provocou o câncer nos dois pulmões: "Cigarro.
Há 32 anos fumando..."
O encarregado de obras Antônio Ferreira dos Santos, 51, também queria ir para casa, mas encontrava resistência na própria
companheira, Maria José da Silva,
56. "Para mim, é muito difícil cuidar dele", explicou. Vítima de um
câncer na próstata, Santos já passou por quatro cirurgias e está
sem movimento nas pernas.
"Há pessoas que, percebendo o
momento, pedem para morrer
em casa. Quando a morte acontece, damos toda a assistência", diz
Naylor. Segundo ela, 60% dos pacientes morrem no hospital.
Nem todos os que entram no
Inca 4, encaminhados por outras
unidades do instituto, sabem que
não poderão mais ser curados.
Cabe aos médicos dizer a verdade
possível. "Nós respondemos o
que eles querem saber. Nossa experiência diz que a maioria não
quer saber muito."
Muitos não gostariam de saber
que a sobrevida estimada dos pacientes do hospital é de até seis
meses. Por outro lado, receberiam um alento se ouvissem histórias de pessoas que já ultrapassaram em muito essa marca. É o
caso de José Carlos Carneiro, 64,
que está sob os cuidados do Inca 4
desde 30 de dezembro de 2002, vítima de câncer da próstata.
"Hoje, quando entro no ambulatório, perguntam se eu sou paciente ou acompanhante, porque
estou muito bem", diz.
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