São Paulo, sábado, 05 de novembro de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

A lei reconhece várias espécies de prisão

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

As freqüentes queixas contra o tratamento privilegiado dado por autoridades a pessoas de destaque social, econômico ou político (sejam vítimas ou delinqüentes) não constituem novidade, no Brasil ou no mundo.
Aconteceu há dias quando um coronel PM foi assaltado, segundo ouvi no rádio. Os pobres ou incultos lotam prisões. São poucos os órgãos, entidades ou cidadãos preocupados com essa forma discriminatória. No referente às cadeias, porém, é mais ou menos universal a certeza de que grande parte delas dá tratamento subumano a seus "clientes".
A perda da liberdade se destina, no estado de direito, a condenados e não-condenados. Acontece que apesar de seus defeitos, não há, ainda, substituto eficaz para a cadeia, em face da criminalidade crescente, salvo em alguns países onde se aplicam certas restrições eletrônicas. Em outros há a pena de morte ou de punições físicas, bem repelidas por nossas leis.
Idealmente, a condenação a tempos de detenção ou reclusão deveria ser para tratamento do delinqüente, com vistas a seu reingressar na sociedade. A experiência de séculos demonstra que esses objetivos são raramente alcançados, embora se reconheça a evolução havida desde a obra imortal de Cesare Bonesana, marquês de Beccaria ("Dos delitos e das penas", publicada em 1764), no sentido de humanização das cadeias.
A lei brasileira prevê várias espécies de aprisionamento. A pluralidade pode parecer confusa, mas é boa, na medida em que adequada a circunstâncias diversas da realidade penal. A prisão em flagrante, a prisão provisória ou a prisão temporária são três formas de retenção do indivíduo acusado, mas não condenado. Em delitos sobre os quais se concentra a atenção da mídia nasce a tendência de exigir a prisão. Muitas vezes é invocado o "clamor público", para justificar o aprisionamento preventivo. Embora as hipóteses referidas correspondam a detenções oficiais, admitidas na lei, o direito tem requisitos especiais para cada forma, recomendados pela experiência.
Há também prisões sem pena. Exigem dupla cautela dos juízes. É comum a cautela dos magistrados variar conforme os conceitos técnicos ou pessoais de cada um, tendendo a restringir ou facilitar a liberdade do acusado, com vantagem ou prejuízo para a apuração dos fatos. É especialmente celebre o caso do banqueiro Salvatore Cacciola, que, livre da prisão antes da apuração dos delitos de que era acusado, fugiu para a Itália.
Reconheço que a linha divisória entre as alternativas possíveis nem sempre é fácil de estabelecer. Quando se trata de prisão administrativa -espécie na qual não há acusação criminal, mas dominante interesse social ou administrativo-, exige-se maior cuidado. Hipótese freqüente vem prevista no inciso LXVII do artigo 5º da Constituição. Admite a prisão civil por dívida. Cabe em apenas dois casos: descumprimento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia (comum em questões de família) e para o depositário infiel. Tem natureza coercitiva ou disciplinar.
Mais conhecida do público, a prisão em flagrante ocorre no momento da prática do crime ou imediatamente a seguir, servindo de exemplo a ocorrida no shopping Eldorado, há alguns dias em São Paulo. A prisão provisória é confirmada por ordem judicial. Assim também a detenção temporária, quando útil para impedir interferência do preso na apuração do delito. Entram elementos subjetivos, no jogo de sua avaliação, desde a posição social dos acusados, decisões anteriores de juízes e tribunais, até a qualidade do advogado. Sem falar, é claro, na força da lei.


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