São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2007

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"Salvem meu netinho", gritou vítima

Ayres Fernandes, 54, que acabou morrendo, ainda pediu a um amigo que tentasse salvar seu neto Lucas, que também não resistiu

Uma idosa sofreu infarto ao presenciar o acidente; vizinhos e familiares foram encaminhados para um hotel pago pela empresa

DA REPORTAGEM LOCAL

Em lágrimas, o representante comercial Milton Lamberti, 47, umas das primeiras pessoas a chegar à casa mais atingida pelo Learjet da Reali Táxi Aéreo, lamentava não ter conseguido atender ao último desejo do amigo Ayres Fernandes, 54.
"Ele gritava: salvem meu netinho, salvem meu netinho", contou o vendedor, com a roupa marcada pelas cinzas.
No momento da queda, contaram os vizinhos, Ayres, um "segurança de feiras" que morava na casa, brincava com seu único neto no colo, Lucas, um ano incompleto, seu orgulho e companhia no dia chuvoso.
Lamberti não conseguiu salvar nem o amigo nem o garoto. Retirou dos escombros a adolescente Cláudia, 14, que sofre de autismo e costumava ficar na frente da casa. "Ela estava com as pernas cobertas por escombros", disse.
O bebê era filho de Ana Maria. Cláudia, a sobrevivente que está com 30% do corpo queimado, também é filha do segurança morto.
O vendedor relatou que, na hora da queda do Learjet, ele estava na parte superior da sua casa -retirando a água da chuva. Viu então o avião cair "como uma flecha".
O aposentado João Miguel, 63, também vizinho do local do acidente, contou que todos ali conheciam o lugar atingido como a casa da "dona Lina", uma ex-empregada doméstica, mãe de Aires e de João. "Era um pessoal muito humilde", afirmou.
De acordo com os moradores da rua, a casa da dona Lina também era conhecida pela grande quantidade de crianças que ficavam "penduradas pelos muros", brincando. Ontem, conforme os vizinhos, parte delas brincava no porão da casa.
"A minha casa tremeu toda", disse Miguel. "Quando escutei o barulho, subi na laje e só vi aquela bola de fogo, acima da antena da TV . Toda a casa ficou destruída, não sobrou nada. Para mim, todos morreram na hora", afirmou.
Miguel conta que o barulho do avião era de um "caça dando um rasante". "A gente pensou que era um caça, como no domingo passado teve da Esquadrilha da Fumaça. Só ouvi o pessoal gritando: um avião caiu na rua, um avião caiu na rua."
Testemunhas do acidente afirmam terem ouvido "ruídos estranhos" da turbina do Learjet instantes antes da queda. Segundo esses relatos, o avião tentava fazer uma curva para retornar ao Campo de Marte.
"O motor parecia helicóptero falhando", disse Lúcio, que mora na mesma rua do acidente, a 50 metros do local da queda, e não quis informar sobrenome.

Rua estreita
A rua onde caiu o avião é estreita, onde mal passam dois carros de uma vez. As casas são coladas umas nas outras. Os primeiros moradores que chegaram ao local do acidente afirmam que ouviam pedidos de socorro dentro da casa.
O representante comercial Airton Micheleto, 47, contou que entrou na casa e e ajudou a retirar uma menina de cerca de 14 anos, que estava presa nos escombros. "Ela estava só com a cabeça para fora. Eu e meu pai, de 77 anos, conseguimos retirá-la. Mas a fumaça ficou muito forte e ainda havia alguns estouros. Ouvimos gritos lá dentro, mas não tínhamos como continuar e saímos."
Ao saber que houve mortes no acidente, Ângelo, pai de Airton, entrou em estado de choque, começou a chorar e a bater na lataria de um carro. "Consegui salvar uma, mas não todo mundo", dizia.
Segundo o relato dos moradores, uma jovem de cerca de 16 anos conseguiu sair correndo de dentro da casa logo após o impacto. A reportagem não conseguiu localizá-la.
Fidelis de Souza Freire, vizinho da casa, disse que também participou do resgate da primeira menina e disse que saiu para ajudar quando ouviu a explosão. "Eu corri para lá e vi a Claudinha toda ensangüentada. Eu ajudei a tirá-las das pedras", disse.
"As meninas gritavam: me tirem daqui, me tirem daqui", conta Freire que se feriu nos dois braços durante o resgate da adolescente.
Uma outra vítima do acidente foi Laurinda Ramos Pimentel, 92. Ela sofreu um enfarto ao ouvir a explosão, pois pensou que a aeronave havia atingido a casa de seu filho, que fica na rua do acidente. Laurinda mora na rua de trás. Segundo seu filho, Milton Alembert, ela permanecia internada ontem à noite, em estado estável.

Hotel
O engenheiro Carlos, 45, iria passar a noite de ontem no hotel Íbis. Sua casa é vizinha ao acidente e, segundo ele, foi comprometida pelas chamas. Assim como ele, outras treze pessoas, entre moradores da região atingida e familiares das vítimas foram para o hotel -eles teriam as despesas pagas pela empresa Reali.
"Eu estava em casa descansando, ouvi um barulho. Saí correndo sem olhar para nada, pulando os escombros. Saí correndo só para me salvar", disse.
(ROGÉRIO PAGNAN, FÁBIO TAKAHASHI, DÉBORA MISMETTI, GUSTAVO VILLAS BOAS, LUISA ALCANTARA E SILVA, JULIO WIZIACK E RAFAEL TARGINO)

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