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"Salvem meu netinho", gritou vítima
Ayres Fernandes, 54, que acabou morrendo, ainda pediu a um amigo que tentasse salvar seu neto Lucas, que também não resistiu
Uma idosa sofreu infarto ao
presenciar o acidente;
vizinhos e familiares foram
encaminhados para um
hotel pago pela empresa
DA REPORTAGEM LOCAL
Em lágrimas, o representante comercial Milton Lamberti,
47, umas das primeiras pessoas
a chegar à casa mais atingida
pelo Learjet da Reali Táxi Aéreo, lamentava não ter conseguido atender ao último desejo
do amigo Ayres Fernandes, 54.
"Ele gritava: salvem meu netinho, salvem meu netinho",
contou o vendedor, com a roupa marcada pelas cinzas.
No momento da queda, contaram os vizinhos, Ayres, um
"segurança de feiras" que morava na casa, brincava com seu
único neto no colo, Lucas, um
ano incompleto, seu orgulho e
companhia no dia chuvoso.
Lamberti não conseguiu salvar nem o amigo nem o garoto.
Retirou dos escombros a adolescente Cláudia, 14, que sofre
de autismo e costumava ficar
na frente da casa. "Ela estava
com as pernas cobertas por escombros", disse.
O bebê era filho de Ana Maria. Cláudia, a sobrevivente que
está com 30% do corpo queimado, também é filha do segurança morto.
O vendedor relatou que, na
hora da queda do Learjet, ele
estava na parte superior da sua
casa -retirando a água da chuva. Viu então o avião cair "como
uma flecha".
O aposentado João Miguel,
63, também vizinho do local do
acidente, contou que todos ali
conheciam o lugar atingido como a casa da "dona Lina", uma
ex-empregada doméstica, mãe
de Aires e de João. "Era um pessoal muito humilde", afirmou.
De acordo com os moradores
da rua, a casa da dona Lina também era conhecida pela grande
quantidade de crianças que
ficavam "penduradas pelos
muros", brincando. Ontem,
conforme os vizinhos, parte delas brincava no porão da casa.
"A minha casa tremeu toda",
disse Miguel. "Quando escutei
o barulho, subi na laje e só vi
aquela bola de fogo, acima da
antena da TV . Toda a casa ficou
destruída, não sobrou nada. Para mim, todos morreram na hora", afirmou.
Miguel conta que o barulho
do avião era de um "caça dando
um rasante". "A gente pensou
que era um caça, como no domingo passado teve da Esquadrilha da Fumaça. Só ouvi o
pessoal gritando: um avião caiu
na rua, um avião caiu na rua."
Testemunhas do acidente
afirmam terem ouvido "ruídos
estranhos" da turbina do Learjet instantes antes da queda.
Segundo esses relatos, o avião
tentava fazer uma curva para
retornar ao Campo de Marte.
"O motor parecia helicóptero
falhando", disse Lúcio, que mora na mesma rua do acidente, a
50 metros do local da queda, e
não quis informar sobrenome.
Rua estreita
A rua onde caiu o avião é estreita, onde mal passam dois
carros de uma vez. As casas são
coladas umas nas outras. Os
primeiros moradores que chegaram ao local do acidente afirmam que ouviam pedidos de
socorro dentro da casa.
O representante comercial
Airton Micheleto, 47, contou
que entrou na casa e e ajudou a
retirar uma menina de cerca de
14 anos, que estava presa nos
escombros. "Ela estava só com
a cabeça para fora. Eu e meu
pai, de 77 anos, conseguimos
retirá-la. Mas a fumaça ficou
muito forte e ainda havia alguns estouros. Ouvimos gritos
lá dentro, mas não tínhamos
como continuar e saímos."
Ao saber que houve mortes
no acidente, Ângelo, pai de Airton, entrou em estado de choque, começou a chorar e a bater
na lataria de um carro. "Consegui salvar uma, mas não todo
mundo", dizia.
Segundo o relato dos moradores, uma jovem de cerca de
16 anos conseguiu sair correndo de dentro da casa logo após o
impacto. A reportagem não
conseguiu localizá-la.
Fidelis de Souza Freire, vizinho da casa, disse que também
participou do resgate da primeira menina e disse que saiu
para ajudar quando ouviu a explosão. "Eu corri para lá e vi a
Claudinha toda ensangüentada. Eu ajudei a tirá-las das pedras", disse.
"As meninas gritavam: me tirem daqui, me tirem daqui",
conta Freire que se feriu nos
dois braços durante o resgate
da adolescente.
Uma outra vítima do acidente foi Laurinda Ramos Pimentel, 92. Ela sofreu um enfarto ao
ouvir a explosão, pois pensou
que a aeronave havia atingido a
casa de seu filho, que fica na rua
do acidente. Laurinda mora na
rua de trás. Segundo seu filho,
Milton Alembert, ela permanecia internada ontem à noite, em
estado estável.
Hotel
O engenheiro Carlos, 45, iria
passar a noite de ontem no hotel Íbis. Sua casa é vizinha ao
acidente e, segundo ele, foi
comprometida pelas chamas.
Assim como ele, outras treze
pessoas, entre moradores da
região atingida e familiares das
vítimas foram para o hotel
-eles teriam as despesas pagas
pela empresa Reali.
"Eu estava em casa descansando, ouvi um barulho. Saí
correndo sem olhar para nada,
pulando os escombros. Saí correndo só para me salvar", disse.
(ROGÉRIO PAGNAN, FÁBIO TAKAHASHI,
DÉBORA MISMETTI, GUSTAVO VILLAS
BOAS, LUISA ALCANTARA E SILVA, JULIO
WIZIACK E RAFAEL TARGINO)
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