São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN Sopro de vida
ESTÁ PREVISTO para amanhã o primeiro show público de Charles Pereira da Silva desde que parou de usar crack -apontado como um gênio da flauta, ele se entregou à droga e foi viver, esquecido e vestido com trapos, numa caverna no Minhocão. Seus pulmões estavam infectados por uma tuberculose. A volta ao palco tem um toque simbólico -afinal, Charles vai tocar num local que, por muito tempo, estava contaminado. "Estou limpo", orgulha-se. "Aprendi a viver um dia por vez." Charles vai tocar no anfiteatro da praça Victor Civita, onde existiu, no passado, uma incineradora de lixo -o local era tido como uma área imprestável por causa da contaminação do solo. O terreno foi reciclado para servir como uma vitrine de experiências de sustentabilidade e como espaço cultural, trazendo vida ao que parecia sem perspectivas. Medaglia conseguiu uma bolsa para o menino estudar com o primeiro flautista da Filarmônica de Berlim. Mas Charles já estava contaminado pelo crack e não viajou. À medida que a droga o dominava, ele ia sendo esquecido, não era chamado para apresentações, até que acabou no Minhocão -mas sempre agarrado a uma flauta. Por pior que estivesse, a flauta estava lá. No semestre passado, após uma crise de abstinência, trocou a flauta -nem isso sobrou- por pedras de crack. "Era como se estivesse mesmo me despedindo." Não estava. "Sabia que, se não fizesse nada, iria morrer logo por causa da doença." Para se consolar, comprou uma flauta de plástico, dessas usadas por crianças para brincar. Precisava arrumar um emprego e conseguiu dar oficinas para moradores de rua, o que lhe trazia a memória da droga. "Não dava, é como se seu estivesse cheirando a fumaça do cachimbo do crack." Começou a nutrir o projeto de dar aulas de música em alguma escola pública, mas se deparou com o temor de professores. Para piorar, nem mesmo tinha seu próprio instrumento e começou a pedir ajuda para ter uma flauta. "É meu projeto de sustentabilidade", brinca. gdimen@uol.com.br
|
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |