São Paulo, segunda-feira, 06 de março de 2006

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ADMINISTRAÇÃO

Acordo com o Spacial incluiu, também sem licitação, o serviço de transporte; especialistas vêem indícios de irregularidade

Gestão Serra contrata circo por R$ 4 milhões

JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Prefeitura de São Paulo contratou por R$ 4,16 milhões, sem concorrência, um circo para oferecer espetáculos aos alunos da rede municipal. A gestão José Serra (PSDB) incluiu nesse pacote gastos com o transporte dos estudantes -ato irregular, segundo especialistas em licitações.
O montante a ser gasto supera o que a Secretaria Municipal da Educação aplicou em 2005 com lazer -R$ 4,082 milhões.
O acerto foi assinado sem licitação porque a prefeitura alegou que o Spacial era "consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública", condição em que a concorrência pode ser dispensada. O acordo prevê 130 espetáculos neste ano e o transporte dos alunos da escola até o local do show. Os ônibus foram contratados diretamente pelo Spacial.
Até 8 de novembro, pelo contrato assinado pela gestão Serra, 351 mil alunos terão assistido às apresentações do circo, o que significa um custo de R$ 11,85 por criança.
Há indícios de irregularidades no contrato, afirmaram três advogados especialistas em licitações ouvidos pela Folha sem que fosse revelada a prefeitura envolvida.
Toshio Mukai, doutor em direito pela USP e um dos maiores especialistas do país na matéria, diz que a prefeitura não poderia contratar o Spacial diretamente, pois o circo não pode ser considerado "consagrado" pelo público, como exige a Lei das Licitações. E o transporte não poderia ser inserido, já que são serviços distintos.
"Com esse valor, só se fosse o Roberto Carlos ou Chitãozinho & Xororó. E são dois objetos diferentes [circo e transporte], são serviços divisíveis. Está errado."
O advogado Luiz Eugenio Scarpin concorda. "O transporte não faz parte do show. A lei permite que só o artista seja contratado sem licitação", diz. "Levar e trazer crianças não poderia ser incluído na dispensa da licitação."
Para Ariosto Peixoto, a questão da consagração pública é polêmica, mas não há dúvida quanto à irregularidade da inclusão do transporte. "É indiscutível a questão do transporte. Não é uma atividade ligada ao circo", afirmou.
Segundo Peixoto, é impossível incluir esse tipo de serviço de transporte como "notória especialização", alegação que desobrigaria a prefeitura a fazer licitação.
O contrato foi publicado no "Diário Oficial da Cidade" de 18 de fevereiro deste ano. Até então, em acordos semelhantes, a prefeitura contratava o circo, mas não incluía o transporte no pacote.
No programa Recreio nas Férias, por exemplo, a prefeitura pagou a um circo R$ 108 mil por 30 espetáculos para 30 mil crianças. Ou seja, R$ 3,60 por criança.
O transporte foi contratado pela prefeitura por meio de licitação. Em novembro, para escolas localizadas na região do Jabaquara (zona sul de São Paulo), o custo do ônibus por criança era de R$ 5.
Nenhum dos cinco circos em atividade em São Paulo ouvidos pela Folha foi consultado pela prefeitura para apresentar seu preço para o projeto, prática comum nesse tipo de contrato sem licitação, para que a prefeitura pudesse escolher a melhor proposta.
Representante da Câmara do Circo no Ministério da Cultura, Márcio Stankowich disse ter ficado espantado com o contrato. "Nosso setor vive uma penúria muito grande. Tem dias em que ganho R$ 300 por show", diz ele, que cobra R$ 5 por criança.
Escolas particulares que levaram alunos ao Spacial em 2005 não contaram com o transporte.


Colaborou AMARÍLIS LAGE, da Reportagem Local

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