São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008

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PASQUALE CIPRO NETO

Um "mal" (às vezes) necessário

Como ficam os jornalistas? Pedem ajuda a especialistas, confiam nos dicionários ou optam pelo básico?

NA SEMANA PASSADA , tratei de alguns termos que, embora não sejam sinônimos, acabam sendo "igualados" pelo/no uso comum. A dupla que motivou o texto foi "barrar/deportar", que...
Que nada! Muitos especialistas (em direito) informaram que o que os dicionários dizem sobre "deportação" não corresponde ao que vige no meio jurídico, o que reforça o que afirmei na coluna ("Os dicionários nem sempre são confiáveis quando se trata de diferenciar o vulgo do técnico ou específico"). Esses especialistas informaram que, quando um país impede a permanência de um estrangeiro em seu território, há quatro termos distintos: deportação, extradição, expulsão e entrega.
E agora, José? Como ficam os jornalistas? Empregam o termo específico, com a assistência de um especialista, confiam nos dicionários ou simplesmente optam pelo básico?
Como consultor, enfrento situação semelhante. Quando falo do emprego das vírgulas, por exemplo, noto que, entre os "leigos", há vários pontos consensuais, um dos quais se refere ao aposto: "o que está entre vírgulas é aposto". Para justificarem o uso de duas vírgulas numa passagem como "O escritor disse que, durante o almoço, não gosta de conversar", muitos desses "leigos" dizem que as vírgulas isolam o "aposto".
A expressão "durante o almoço" não é aposto; é adjunto adverbial. Xi! Azedou, não? Termos específicos são mesmo uma armadilha para quem não é especialista, concorda?
A expressão "durante o almoço", que se prende a "disse", indica o momento em que se dá o processo expresso por essa forma verbal. Por se ligar a um verbo e indicar uma circunstância (de tempo, no caso), essa expressão é "adjunto adverbial". Note que, quando usei a expressão "que se prende", tentei fugir da linguagem técnica, que, no caso, imporia redação semelhante a esta: "A expressão "durante o almoço", regida por "disse", indica...". "Regida" não é termo que todos digiram, certo?
Voltemos ao exemplo do almoço, que convém repetir: "O escritor disse, durante o almoço, que não gosta de conversar". Notou algo, caro leitor? Volte ao parágrafo em que dei o exemplo e veja se fui fiel a ele.
Não fui. Mudei intencionalmente a ordem dos termos, o que significou alterar radicalmente o sentido da frase. Agora, quem rege (já posso usar, não?) a expressão "durante o almoço" é a locução verbal "gosta de conversar". Nesse caso, diz-se que o escritor não quer conversa quando almoça; no primeiro exemplo, informa-se que, num certo almoço, o escritor disse que é de pouca conversa.
E o que fazem as duas vírgulas? Isolam e realçam o adjunto adverbial, que, nos dois casos, interrompe a ordem direta dos termos do período. Há quem escreva sem vírgulas ("O escritor disse durante o almoço que não gosta de conversar"; "O escritor disse que durante o almoço não gosta de conversar"), mas esse não é o procedimento dominante. O que não se pode, de jeito nenhum, é usar a vírgula "solteira", isto é, colocar só uma das vírgulas, o que quebraria o concerto dos termos do período. Redigir um texto não é muito diferente de construir uma casa.
Como se vê, para entender/explicar certos fatos, muitas vezes é quase impossível escapar do emprego de alguns termos técnicos. É isso.


inculta@uol.com.br

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