São Paulo, sexta-feira, 06 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pressão de EUA por garoto é inútil, diz defesa

Advogado que representa a família brasileira do menino diz que basta ele estar adaptado ao Brasil para mantê-lo no país

Garoto de 8 anos é pivô de divergência diplomática com os EUA; pai americano tenta levá-lo para Nova Jersey, mas guarda é de padrasto

MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Contratado para representar a família brasileira do menino de oito anos que virou pivô de uma divergência diplomática entre Brasil e Estados Unidos, o advogado Carlos Eduardo Martins afirma que a pressão do governo americano para que a criança fique sob a guarda do pai americano David Goldman não surtirá efeito.
Segundo ele, o fato de o menino estar adaptado ao país e à família brasileira basta para mantê-lo no Brasil.
Goldman e a brasileira Bruna Bianchi viviam juntos em Nova Jersey desde 1999 -o filho nasceu em 2000. Em 2004, Bruna, que estava de férias, trouxe o garoto ao Brasil e pediu o divórcio. Para o pai, houve um rapto internacional de criança.
Em 2008, a brasileira morreu no parto de sua filha com o segundo marido. O padrasto, João Paulo Lins e Silva, é quem hoje detém sua guarda.

 

FOLHA - O governo está sendo pressionado até pela secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, para que o garoto seja devolvido ao pai.
CARLOS EDUARDO MARTINS
- O garoto tem uma situação sui generis: ele nasceu lá [nos EUA] mas é filho de mãe brasileira e foi registrado aqui. Ele é tão cidadão brasileiro quanto cidadão americano, e não importa o que a Hillary Clinton ou o [presidente Barack] Obama ou quem quer que seja diga. Então, acredito que o ministro Celso Amorim [das Relações Exteriores] vai tomar o partido do cidadão brasileiro. A União Federal [governo brasileiro] está advogando em interesse de um estrangeiro para remover um cidadão brasileiro do país.

FOLHA - Mas não é por uma pessoa ser brasileira que o governo deve apoiar algo que não esteja dentro do ordenamento jurídico.
MARTINS
- De jeito nenhum. Mas aí entra a Convenção de Haia, da qual o Brasil é signatário. O que ela diz? Que o menor deve ser removido para o país de onde ele veio, entre aspas, irregularmente, desde que ele não esteja adaptado ao país em que está vivendo. E a Justiça brasileira já disse, em primeira, segunda e terceira instâncias, que o menino está adaptado. Por isso, não há que se falar em descumprimento da Convenção de Haia pelo Brasil, como eles argumentam.

FOLHA - A mãe morreu. Não é natural que o filho fique com o pai biológico?
MARTINS
- Isso é de menor importância para a Convenção de Haia, que fala em adaptação do menor ao meio dele. O menino tem avós maternos aqui, tem uma irmã biológica e um pai sócioafetivo no Brasil [o advogado João Paulo Lins e Silva].

FOLHA - David conta que, quando Bruna veio ao Brasil com o filho e decidiu se separar, nunca mais deixou que ele visse o menino.
MARTINS
- Para começar, eles viviam um casamento fracassado. Ainda assim, quando viajou para o Brasil, ela veio em férias. Ela não pensava em ficar aqui. Quando chegou, teve uma briga com o David por telefone, uma das inúmeras que eles tiveram. Bruna decidiu então que não iria mais voltar para os EUA e imediatamente pediu ao David que viesse ao Brasil. Até ofereceu passagens. Ela queria resolver o divórcio e queria que ele visitasse o filho. E David se recusava terminantemente.

FOLHA - Por quê?
MARTINS
- Ele queria decidir as coisas nos EUA. A partir daí, não mais veio para ver o filho.

FOLHA - Ele diz que veio oito vezes.
MARTINS
- Mas ele não pediu a visitação em nenhuma delas. Veio quando as ações pela guarda já estavam em andamento. Mas não procurou o filho.

FOLHA - Quantas e quais ações?
MARTINS
- A autorização que a Bruna tinha para permanecer com o filho no Brasil tinha data para expirar. Quando isso ocorresse, ela estaria irregularmente com a criança. Ela então entrou na Justiça com um pedido de separação do David e de guarda provisória do filho. Conseguiu a guarda. Ele, por sua vez, moveu duas ações: uma nos EUA, por sequestro, contra a Bruna e os pais dela, Raimundo [Carneiro Ribeiro] e Silvana [Bianchi]; e a outra na Justiça Federal do Brasil, pleiteando o retorno do menor aos EUA com base na Convenção de Haia. Havia ainda a terceira ação, a da guarda da criança, na Justiça Estadual. Ele perdeu as ações em primeira instância, segunda e terceira instâncias. Sendo que nunca, em ação alguma, em momento algum, ele pediu para visitar o filho.

FOLHA - Ele diz que tentou e foi impedido.
MARTINS
- E por que então não entrou na Justiça para isso?

FOLHA - Mas ele entrou.
MARTIN
S - Não. Só houve um pedido para ver o filho na Justiça após Bruna morrer.

FOLHA - Logo depois de voltar ao Brasil, ela se casou.
MARTINS
- Com a homologação do divórcio, ela pode se casar com o João. Ficou grávida e faleceu no parto. Como vivia maritalmente com a Bruna, o João Paulo, como pai sócioafetivo, pediu a guarda provisória dele. Era algo natural. O David então veio ao Brasil para se defender nesta ação. E a União Federal entrou com uma outra ação contra o João Paulo pedindo que o menino fosse devolvido ao pai biológico. Foi a União que pediu a visitação.

FOLHA - Que foi negada.
MARTINS
- A Bruna tinha morrido dez dias antes. O Ministério Público entendeu que o garoto estava sob trauma e que antes da visitação deveria haver uma perícia psicossocial para prepará-lo. Houve depois uma audiência no STJ e as partes entabularam acordo provisório para garantir a visitação do David ao garoto por dois dias.

FOLHA - Existe a possibilidade de um acordo? Por exemplo, que o garoto viva no Brasil, mas que o pai possa visitá-lo permanentemente?
MARTINS
- Acho plenamente factível e esse é um caminho natural, desde que as partes caminhem para esse entendimento, desde que ambos façam concessões mútuas.

FOLHA - O que a família cederia?
MARTINS
- Não vou chegar a falar em guarda compartilhada. Até poderia ter, mas seria esdrúxulo para o menor viver em dois países. A não ser que um deles [o pai biológico ou João Paulo] se mudasse para o outro país, o que não me parece factível. Mas, quando você confere visitação, a tendência é que ela fique mais e mais extensa. Começa com um dia, dois, um fim de semana, uma semana, uma viagem, e vai ampliando, até que a guarda começa a ficar mitigada, pelo menos nos períodos de longa visitação. Mas eu não posso falar ainda disso em nome da família. Também não sei se Goldman concordaria. Mas é uma possibilidade.


Texto Anterior: Ministério da Saúde corrige dados sobre dengue de 2001 a 2008
Próximo Texto: No programa de Larry King, pai chora, mostra foto do filho e diz que não desiste
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.