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Pressão de EUA por garoto é inútil, diz defesa
Advogado que representa a família brasileira do menino diz que basta ele estar adaptado ao Brasil para mantê-lo no país
Garoto de 8 anos é pivô de divergência diplomática com os EUA; pai americano tenta levá-lo para Nova Jersey,
mas guarda é de padrasto
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Contratado para representar
a família brasileira do menino
de oito anos que virou pivô de
uma divergência diplomática
entre Brasil e Estados Unidos, o
advogado Carlos Eduardo Martins afirma que a pressão do governo americano para que a
criança fique sob a guarda do
pai americano David Goldman
não surtirá efeito.
Segundo ele, o fato de o menino estar adaptado ao país e à
família brasileira basta para
mantê-lo no Brasil.
Goldman e a brasileira Bruna
Bianchi viviam juntos em Nova
Jersey desde 1999 -o filho nasceu em 2000. Em 2004, Bruna,
que estava de férias, trouxe o
garoto ao Brasil e pediu o divórcio. Para o pai, houve um rapto
internacional de criança.
Em 2008, a brasileira morreu
no parto de sua filha com o segundo marido. O padrasto,
João Paulo Lins e Silva, é quem
hoje detém sua guarda.
FOLHA - O governo está sendo
pressionado até pela secretária de
Estado dos EUA, Hillary Clinton, para
que o garoto seja devolvido ao pai.
CARLOS EDUARDO MARTINS - O garoto tem uma situação sui generis: ele nasceu lá [nos EUA]
mas é filho de mãe brasileira e
foi registrado aqui. Ele é tão cidadão brasileiro quanto cidadão americano, e não importa o
que a Hillary Clinton ou o [presidente Barack] Obama ou
quem quer que seja diga. Então,
acredito que o ministro Celso
Amorim [das Relações Exteriores] vai tomar o partido do cidadão brasileiro. A União Federal
[governo brasileiro] está advogando em interesse de um estrangeiro para remover um cidadão brasileiro do país.
FOLHA - Mas não é por uma pessoa
ser brasileira que o governo deve
apoiar algo que não esteja dentro
do ordenamento jurídico.
MARTINS - De jeito nenhum.
Mas aí entra a Convenção de
Haia, da qual o Brasil é signatário. O que ela diz? Que o menor
deve ser removido para o país
de onde ele veio, entre aspas, irregularmente, desde que ele
não esteja adaptado ao país em
que está vivendo. E a Justiça
brasileira já disse, em primeira,
segunda e terceira instâncias,
que o menino está adaptado.
Por isso, não há que se falar em
descumprimento da Convenção de Haia pelo Brasil, como
eles argumentam.
FOLHA - A mãe morreu. Não é natural que o filho fique com o pai biológico?
MARTINS - Isso é de menor importância para a Convenção de
Haia, que fala em adaptação do
menor ao meio dele. O menino
tem avós maternos aqui, tem
uma irmã biológica e um pai sócioafetivo no Brasil [o advogado João Paulo Lins e Silva].
FOLHA - David conta que, quando
Bruna veio ao Brasil com o filho e decidiu se separar, nunca mais deixou
que ele visse o menino.
MARTINS - Para começar, eles
viviam um casamento fracassado. Ainda assim, quando viajou
para o Brasil, ela veio em férias.
Ela não pensava em ficar aqui.
Quando chegou, teve uma briga
com o David por telefone, uma
das inúmeras que eles tiveram.
Bruna decidiu então que não
iria mais voltar para os EUA e
imediatamente pediu ao David
que viesse ao Brasil. Até ofereceu passagens. Ela queria resolver o divórcio e queria que ele
visitasse o filho. E David se recusava terminantemente.
FOLHA - Por quê?
MARTINS - Ele queria decidir as
coisas nos EUA. A partir daí,
não mais veio para ver o filho.
FOLHA - Ele diz que veio oito vezes.
MARTINS - Mas ele não pediu a
visitação em nenhuma delas.
Veio quando as ações pela guarda já estavam em andamento.
Mas não procurou o filho.
FOLHA - Quantas e quais ações?
MARTINS - A autorização que a
Bruna tinha para permanecer
com o filho no Brasil tinha data
para expirar. Quando isso ocorresse, ela estaria irregularmente com a criança. Ela então entrou na Justiça com um pedido
de separação do David e de
guarda provisória do filho.
Conseguiu a guarda. Ele, por
sua vez, moveu duas ações: uma
nos EUA, por sequestro, contra
a Bruna e os pais dela, Raimundo [Carneiro Ribeiro] e Silvana
[Bianchi]; e a outra na Justiça
Federal do Brasil, pleiteando o
retorno do menor aos EUA
com base na Convenção de
Haia. Havia ainda a terceira
ação, a da guarda da criança, na
Justiça Estadual. Ele perdeu as
ações em primeira instância,
segunda e terceira instâncias.
Sendo que nunca, em ação alguma, em momento algum, ele
pediu para visitar o filho.
FOLHA - Ele diz que tentou e foi impedido.
MARTINS - E por que então não
entrou na Justiça para isso?
FOLHA - Mas ele entrou.
MARTINS - Não. Só houve um
pedido para ver o filho na Justiça após Bruna morrer.
FOLHA - Logo depois de voltar ao
Brasil, ela se casou.
MARTINS - Com a homologação
do divórcio, ela pode se casar
com o João. Ficou grávida e faleceu no parto. Como vivia maritalmente com a Bruna, o João
Paulo, como pai sócioafetivo,
pediu a guarda provisória dele.
Era algo natural. O David então
veio ao Brasil para se defender
nesta ação. E a União Federal
entrou com uma outra ação
contra o João Paulo pedindo
que o menino fosse devolvido
ao pai biológico. Foi a União
que pediu a visitação.
FOLHA - Que foi negada.
MARTINS - A Bruna tinha morrido dez dias antes. O Ministério
Público entendeu que o garoto
estava sob trauma e que antes
da visitação deveria haver uma
perícia psicossocial para prepará-lo. Houve depois uma audiência no STJ e as partes entabularam acordo provisório para garantir a visitação do David
ao garoto por dois dias.
FOLHA - Existe a possibilidade de
um acordo? Por exemplo, que o garoto viva no Brasil, mas que o pai
possa visitá-lo permanentemente?
MARTINS - Acho plenamente
factível e esse é um caminho
natural, desde que as partes caminhem para esse entendimento, desde que ambos façam
concessões mútuas.
FOLHA - O que a família cederia?
MARTINS - Não vou chegar a falar em guarda compartilhada.
Até poderia ter, mas seria esdrúxulo para o menor viver em
dois países. A não ser que um
deles [o pai biológico ou João
Paulo] se mudasse para o outro
país, o que não me parece factível. Mas, quando você confere
visitação, a tendência é que ela
fique mais e mais extensa. Começa com um dia, dois, um fim
de semana, uma semana, uma
viagem, e vai ampliando, até
que a guarda começa a ficar mitigada, pelo menos nos períodos de longa visitação. Mas eu
não posso falar ainda disso em
nome da família. Também não
sei se Goldman concordaria.
Mas é uma possibilidade.
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