São Paulo, domingo, 6 de abril de 1997.

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RECEITA DE NOVA YORK
Prefeito destaca participação social, integração das forças policiais e investimento em tecnologia
Basta vontade para mudar polícia, diz Giuliani

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
de Nova York


A queda nos índices de criminalidade é um dos principais trunfos de Rudolph Giuliani para ser reeleito prefeito de Nova York em novembro.
Numa cidade dominada pelos democratas, o republicano Giuliani vibra com as últimas pesquisas.
De acordo com o ``The New York Times'', 74% dos moradores de Nova York aprovam a política de segurança do atual prefeito. Dos entrevistados, 46% disseram que ele merece a reeleição.
As estatísticas do Departamento de Polícia de Nova York mostram queda contínua no número de crimes e de roubos de carro, duas das maiores preocupações da população quando Giuliani assumiu a prefeitura, em 1994.
No primeiro trimestre de 1997, por exemplo, houve 194 assassinatos na cidade, queda de 27% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando o número foi de 266. O número de roubos de carro também caiu, passando de 16.329 no primeiro trimestre de 1996 para 13.004 no primeiro de 1997.
``As estatísticas todas estão do nosso lado. A cada ano, o objetivo é melhorar mais um pouco.''
Em entrevista à Folha, Giuliani faz um balanço de sua administração, apresenta suas soluções para o problema da violência e condena o abuso policial.
O prefeito conta que o cidadão tem um número de telefone para reclamar, caso se sinta ofendido por um policial. Um dos mandamentos da polícia nova-iorquina é a cortesia. ``O policial é treinado para tratar bem o cidadão.''
Segundo Giuliani, cada reclamação é investigada em um processo administrativo dentro do distrito policial. ``Muitos policiais já foram expulsos da corporação.''
Leia a entrevista completa.

Folha - Um dos principais marcos da sua administração foi a redução da criminalidade na cidade de Nova York. Qual a sua receita?
Rudolph Giuliani -
Encará-lo de frente. Decidi investir na segurança, porque era uma das principais preocupações de nossos cidadãos. Investir, investir mesmo. Unifiquei a polícia de Nova York. Ela passou a trabalhar como se fosse uma só, porque é, de fato, uma só.
Folha - Como assim?
Giuliani -
Antes, a polícia era compartimentalizada. A polícia de trânsito, por exemplo, cuidava de um assalto no metrô, mas não era responsável pelo que acontecesse na calçada. Agora não. Polícia é polícia e deve fazer um trabalho integrado.
Folha - Qual foi o segredo para integrar a polícia?
Giuliani -
Investimos em tecnologia. Todas as delegacias, e são 76 em Nova York, são informatizadas. Só assim elas podem fazer um trabalho interligado.
Também apostamos na troca de informações. Toda semana o chefe de polícia faz uma reunião com todos os chefes dos 76 distritos policiais de Nova York.
Todos reportam o que acontece em seu setor. Se há um problema, digamos que muitos furtos na Times Square, o chefe de polícia exige providências e na semana seguinte vai cobrar resultados.
São reuniões em que todos participam, trocando idéias, propondo soluções. Acabei com as divisões que havia entre os policiais.
O governante tem de pensar em tudo. Há alguns anos, grande parte dos chamados para a polícia, no telefone 911, não passava de trote.
Hoje, o 911 rastreia telefones. Se alguém passa trote e atrapalha o trabalho da polícia, vai preso. Perdíamos muito tempo com trotes. Hoje não mais. E não adianta fazer sem alarido. O cidadão tem de saber que quem passa trote pode ir preso para parar de passar.
Folha - E o ``Tolerância Zero''?
Giuliani -
Para termos paz, não podemos tolerar pequenos abusos. Enquadrando os pequenos delinquentes, o governo mostra uma postura firme. As estatísticas estão do nosso lado. E a cada ano o objetivo é melhorar mais.
Folha - Mas, enquadrando todos, as prisões não ficam pequenas? Em países do Terceiro Mundo, como o Brasil, as condições dos presídios são das piores...
Giuliani -
Quem comete um pequeno delito não fica necessariamente encarceirado. Vai a um tribunal, pode pagar fiança... Não tendo dinheiro, o que é perfeitamente compreensível, faz trabalhos comunitários.
Folha - Que tipo de trabalho?
Giuliani -
Quem picha o chão, por exemplo, pode passar 100 horas limpando calçadas.
Digo de novo: um governante deve pensar em todos os detalhes. A impressão digital do delinquente, pelo computador, não fica restrita à polícia de Nova York. Vai para a estadual, a federal. Estamos contribuindo com o país. Você viu nossas delegacias? O distrito policial que temos no Brooklyn? Veja as estatísticas do Brooklyn.
Folha - E quanto à figura humana do policial?
Giuliani -
É outra preocupação da minha administração. Fazemos sempre programas de reciclagem.
O policial passa por um ótimo treinamento na Academia de Polícia durante seis meses. E depois volta continuamente para aprimorar sua parte física e psicológica.
Apesar de alguns desencontros, a classe reconhece a importância do que tenho feito para a Polícia de Nova York e os cidadãos. Dei qualidade de vida para todos.
Folha - Quais desencontros?
Giuliani -
Temos uma disputa trabalhista, eles estão pedindo aumento. Estamos negociando.
Folha - Que outros feitos o senhor destacaria em sua gestão?
Giuliani -
Vários. O número de empregos cresceu na ordem de quase 60 mil por ano). Os turistas voltaram a Nova York, a cidade recuperou seu orgulho.
O cidadão voltou a participar. Com a participação da comunidade, a integração foi completa.
Folha - Como se dá a participação da sociedade?
Giuliani -
Em vários aspectos. Desde a polícia, que trabalha integrada com os seguranças particulares, até serviços de limpeza de ruas, parques... Condomínios ou áreas contratam funcionários que ajudam os da prefeitura até para arrumar um semáforo.
Enfim, é um governo com e para a sociedade. Numa cidade dominada pelos democratas, tenho tido a aprovação popular, como mostram as últimas pesquisas.
Folha - E os sem-teto?
Giuliani -
Você quase não os vê. Há alguns anos, eles viviam empilhados. O que fiz? Ofereci emprego para eles. Limpam parques, ruas, até delegacias.
Pouco a pouco, quero reintegrá-los à sociedade. Estou mantendo contatos com empresas para que, no futuro, eles tenham novos empregos, uma espécie de plano de carreira. De varredor para caixa do McDonald's e assim por diante.
Basta o governo querer, e o sem-teto, também. Percebi que nem todos, infelizmente, querem.
Folha - O senhor acha que alguns não trabalham por preguiça?
Giuliani -
Alguns simplesmente não querem fazer nada. Mas o cidadão comum não tolera mais o sem-teto, como há alguns anos.
Quem quer ir ao Central Park com crianças e almoçar ao lado de gente maltrapilha, que passou a noite bebendo? Mas estou apertando quem não quer trabalhar. Não pode viver às custas do governo. Só recebe ajuda se trabalhar.
Folha - Se quiser ficar deitado na rua sem fazer nada, não pode?
Giuliani -
Claro que não. Se fica deitado na calçada, obstrui a passagem, o que não é permitido.
Folha - No Brasil, o assunto da semana foi uma série de imagens de abuso de ação policial, cenas de violência explícita, que revoltaram a opinião pública. Qual sua opinião sobre o assunto?
Giuliani -
Não vou analisar um caso que não conheço de perto.
Posso falar de Nova York, que tem um número de telefone para evitar não só casos parecidos, mas casos muito menores.
Se queremos a integração polícia-sociedade, queremos um policial cortês. O policial é treinado para tratar bem o cidadão, ser educado e prestativo ao telefone ou pessoalmente.
Se alguém se sentir desrespeitado, liga e terá o caso apurado.
Sendo um caso simples, um processo administrativo resolve. Há sempre um julgamento dentro da corporação, que muitas vezes acaba expurgando policiais. Muitos policiais já foram expulsos.
Folha - E em casos mais graves, como vimos no Brasil?
Giuliani -
Em casos mais graves, um promotor independente julga o processo.
Folha - Sua receita funcionaria em países com problemas econômico-sociais muito mais graves, como é o caso do Brasil?
Giuliani -
Pode funcionar. Basta ter vontade política, priorizar e começar a agir. O trabalho tem de ser integrado, mexer com a sociedade. Folha - Se o senhor for reeleito, sua administração manterá a segurança como prioridade?
Giuliani -
A cidade hoje já está melhor, já está mudada. É hora de pensar no futuro, nas próximas gerações, nos problemas estruturais, para que os conjunturais não retornem. Quero melhorar a educação. Reformei colégios, melhorei os salários dos professores, quero repetir na educação o êxito que tivemos na segurança.
A sociedade tem de trabalhar conosco. Quero assistentes sociais nas escolas, maior participação dos pais, de entidades de bairros na educação das crianças. É um trabalho para o futuro.

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